CONTO: UM DOCE DE MULHER

CONTO: UM DOCE DE MULHER

cabeca-ricchetti CONTO: UM DOCE DE MULHER
image-11 CONTO: UM DOCE DE MULHER

Conto criado e escrito por José Luiz Ricchetti

Ele, era um rapaz bonito, alto, olhos verdes, cabelos castanhos claros e 19 anos incompletos. De origem humilde, não tinha mais pai e era o filho mais velho da melhor doceira da cidade. Sua mãe o havia criado junto com a irmã mais nova, com muito sacrifício, graças a essa sua habilidade culinária, desde que o marido havia falecido precocemente, em um acidente de automóvel.

Todos os dias o jovem ficava esperando a mulher aparecer na enorme janela de duas folhas localizada na pequena varanda do quarto. Na verdade, aquilo, ao longo de vários meses, tinha se tornado um hábito, um vício mesmo, desde o dia em que a viu pela primeira vez, aparecer seminua naquele alpendre do enorme sobrado que fazia fundos com a sua humilde casa.

Assim logo cedo ele pulava da cama, engolia o café e subia na árvore, beirando o muro do quintal da sua casa para ficar à espreita até ver a cena da exuberante mulher abrir a janela colocar os braços esticados sobre a grade do alpendre e respirar fundo, enchendo os pulmões com o ar da manhã. Não dava para perder aquele momento lindo de ver aquela mulher seminua, com seus seios maravilhosos a vista, todas as manhãs, através do penhoar entreaberto e transparente.

Ele via nela a mulher perfeita, talvez na casa dos vinte e pouco anos, morena, corpo escultural, cabelos pretos, seios grandes e um par de olhos verdes, difícil até de descrever em palavras, tamanha a beleza da sua tonalidade verde turquesa. Para completar aquela deusa ainda tinha um sorriso lindo, um nariz delicado e lábios grossos e convidativos.

Definitivamente ela era daquelas mulheres em que é impossível alguém não a notar ao vê-la andar numa rua ou mesmo ao entrar em algum espaço comercial.

Por outro lado, a cidade inteira tinha curiosidade sobre uma outra mulher que por meses vinha habitando o casarão do velho João Andrade, famoso fazendeiro que vivera na região por anos até se tornar o maior produtor de café do estado.

Diziam que ela era a filha de um famoso e rico advogado da capital, único herdeiro do Seu João Andrade, patriarca daquela família de tradicionais fazendeiros de café, bem conhecida na pequena cidade, onde ainda mantinham o enorme casarão da família construído pelo pai do Seu Andrade, ou seja, seu bisavô.

O advogado costumava, em geral, aparecer raras vezes na cidade, normalmente em alguns anos esparsos, dentro de algum feriado prolongado.

Foi por isso que ninguém na cidade conseguiu entender quando aquela mulher apareceu do nada, completamente sozinha, e permaneceu na casa primeiro por vários dias, depois esticou esse tempo por semanas inteiras, até que quando todos perceberam ela já estava vivendo lá por meses, completamente só e sem se relacionar com ninguém.

Poucos diziam a ter visto e alguns afirmavam que ela era jovem e muito bonita, mas ninguém conseguia acreditar que alguém com essas características vivesse em pleno retiro naquela velha casa que até tinha a fama de ser mal-assombrada…

Viciada em doces essa tal habitante misteriosa do casarão logo ouviu falar da famosa doceira da cidade e em pouco tempo já tinha se apaixonado pelos seus quitutes. Fazia então encomendas semanais de vários tipos e pedia que lhe fosse entregue diretamente no casarão. Esse era o seu único contato externo. Receber semanalmente a encomenda dos doces da velha doceira da cidade.

Alguns diziam que ela tinha tido uma desilusão amorosa e havia se separado do noivo, as vésperas do casamento, outros já diziam que ela era uma louca e esquizofrênica, mas tudo eram apenas especulações e fofocas, característica normal de uma pequena cidade do interior…

Assim, todas as sextas feiras, a velha doceira pedia ao filho mais velho que fosse até lá para entregar a caixinha de doces para a sua moradora, herdeira da tradicional família de fazendeiros de café.

Desde o começo das entregas ele nunca a tinha visto, até porque era sempre a empregada quem vinha pegar o pacote. Até que um dia, passado meses dessas entregas semanais a tal mulher misteriosa, filha do advogado famoso, veio pessoalmente pegar sua encomenda de doces.

Quando seus olhares se cruzaram, ele percebeu imediatamente que a cliente de sua mãe e misteriosa habitante do casarão era nada menos que a mesma mulher que ele via abrir a janela do alpendre todas as manhãs!

Assustado ele imediatamente sentiu seu rosto corar, quase até queimar, como se tivesse sido flagrado por ela na sua diária bisbilhotice matinal. Ela percebendo o acanhamento do entregador, mas não deixando de notar a sua enorme beleza, apenas lhe sorriu, perguntou seu nome, pegou o pacote de doces de suas mãos, agradeceu, virou as costas e entrou pela porta….

Ainda espantado com a coincidência, ele voltou para casa recordando de que uma vez, meses atrás, tinha ido acompanhar a mãe numa das primeiras entregas de doces para a tal senhora que acabara de se mudar para a cidade, mas nunca poderia imaginar que ela seria a mesma linda e fantástica mulher que todas as manhãs, ele via seminua na janela do sobrado, naquela sacada que dava fundos para sua casa.

Na manhã seguinte, mais do que nunca, lá estava ele subindo na árvore do seu quintal, no seu papel de voyeur, desta vez mais agitado do que o normal, pois a tinha visto bem de perto e ficado ainda mais louco e impressionado com sua beleza.

Assim que ela abriu a janela, ele de tão nervoso, escorregou e ficou praticamente dependurado em um dos galhos. Com o barulho e o seu grito inesperado pela iminente e possível queda, ela acabou olhando na direção daquela árvore e o viu quase que caindo da árvore.

Em seguida como se toda aquela cena não tivesse nada a ver com ela, colocou as mãos sobre o parapeito repetindo o mesmo ritual de todas as manhãs, puxando o ar da manhã e exibindo, mais uma vez, seus belos seios nus. A única diferença foi que desta vez, talvez propositadamente e vendo que tinha alguém a lhe observar, abriu um largo sorriso, se virou de costas, deixou cair o penhoar transparente e desapareceu totalmente nua pela penumbra do seu quarto….

No dia seguinte, uma sexta-feira, ele disse a sua mãe que iria sair para entregar logo cedo os doces para a ricaça do sobrado. No fundo ele pretendia ir lá e dar explicações, pedir desculpas por a estar bisbilhotando todas as manhãs.

Ele até ensaiou algumas frases, mas ainda não sabia direito o que fazer, de tão nervoso que se encontrava desde que foi surpreendido pela linda mulher. Na sua mente era impossível esquecer aquela visão maravilhosa daquela deusa, no alpendre, o seu lindo sorriso e depois aquele cair do penhoar e o vulto dela totalmente nua desaparecendo no interior do quarto….

Quando chegou na frente da casa ele apertou a campainha e esperou…. Nunca pensou que aqueles poucos minutos se tornassem, tão longos, quase uma eternidade. Será que seria ela que viria atender? O ele iria falar para ela?

Foi ela mesma que abriu a porta. No momento ele ficou completamente mudo, congelado ao vê-la vestida somente com aquele penhoar transparente e não conseguiu falar absolutamente nada.

Ela fez sinal para ele entrar, mas como viu que ele continuou totalmente paralisado retirou o pacote de suas mãos, o colocou em cima do console ao lado da porta de entrada e puxando o pelas mãos o levou até a sala de estar onde o fez se sentar no enorme sofá de veludo vermelho. Mesmo sentado, o rapaz ainda não conseguia balbuciar uma única palavra e ainda mantinha as mãos trêmulas e molhadas de suor.

Assim que ele se sentou no sofá ela se aproximou abaixou, lhe deu um pequeno beijo na sua boca com aqueles seus lindos lábios grossos e convidativos. Em seguida, deixou cair totalmente o penhoar transparente e puxou as mãos do tímido e envergonhado entregador de doces em direção as suas coxas.

Poucos segundos depois o enorme tapete persa na frente daquele sofá de veludo vermelho era testemunha de dois corpos entrelaçados em ritmo de respirações ofegantes.

No dia seguinte, a doceira da cidade, muito contente, dizia ao filho mais velho que a senhora do casarão havia lhe telefonado pedindo que ela passasse a fazer entregas diárias…

José Luiz Ricchetti – 03/04/2023

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Thiago Melego

Radialista e jornalista. Formado em administração de empresas, gestão de recursos humanos, MBA em negociação e vendas. Atualmente cursando Análise e Desenvolvimento de Software.

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