Os limites entre o direito e a fé, por Edilaine de Góis Tedeschi

Os limites entre o direito e a fé, por Edilaine de Góis Tedeschi

dra-edilaine-ok Os limites entre o direito e a fé, por Edilaine de Góis Tedeschi

A Constituição Federal assegura a liberdade de expressão, a liberdade individual de ir e vir, a liberdade religiosa proibindo a discriminação. A consciência religiosa e a Fé são atos individuais e devem ser espontâneos de acordo com o desejo de cada um.

As pessoas religiosas que participam ativamente de sua comunidade comparecendo aos atos semanais, casando-se perante aquela autoridade religiosa, seguindo exatamente o que lhes é ensinado, não raras vezes, se deparam com questões intricadas que devem ser decidas à Luz do Direito brasileiro. É o caso do divórcio que ainda hoje não é aceito por algumas religiões.

Apesar da celebre frase o que Deus uniu o homem não separa, milhares de divórcios e novos casamentos ou uniões são realizados todos os dias, e a não pode limitar as escolhas de seus fiéis. Mas e se o líder religioso ao saber que um casal de sua comunidade religiosa fosse se divorciar ingressasse com medida judicial para impedir o divórcio, alegando que o casal daquela doutrina religiosa violaria a lei daquela comunidade e conseguisse impedir o divórcio?

Ora, diriam os leitores, isso é ridículo! No entanto, embora o caso não tenha a ver com divórcio houve interferência religiosa na decisão de um casal que esperava um filho que nasceria morto e optaram pelo aborto.

O caso aconteceu em Goiânia. O casal religioso ao saber que o feto não sobreviveria ao parto, conseguiu autorização judicial para interromper a gravidez. Mas, durante a internação hospitalar, a gestante, já tomando medicação para induzir o parto, foi surpreendida com a decisão do TJ/GO, que atendeu ao pedido de um Padre que impetrou um Habeas Corpus e conseguiu uma liminar para que o aborto fosse interrompido. A gestante foi retirada do hospital, mandada de volta para casa e agonizou por mais oito dias, até que a criança nascesse e morresse logo após.

O aborto em nossa legislação é considerado crime, porém, uma vez comprovada a inviabilidade de nascimento com vida, a autorização judicial para realizá-lo é concedida. São os casos de anencefalia e body stalk. De maneira bem simples, o primeiro refere-se ao feto sem cérebro, no segundo, a criança tem cérebro, porém a gravidez ocorre sem que a placenta se feche, e o feto nasce com seus órgãos expostos, sem a “barriga” que os protege.

Em nome da convicção religiosa não foi respeitada a decisão do casal que amparados por uma autorização judicial iriam interromper a gestação. Após a autorização judicial, e após a internação da mãe, um líder religioso, se julgou no direito de sobrepor-se à vontade dos pais e encontrou um respaldo judicial! Um verdadeiro absurdo!

O casal, após todo o sofrimento por ter que abortar um filho, e após o sofrimento de ver o filho nascer sem a menor condição de sobrevivência, ingressou com Ação de Reparação por Danos Morais contra o líder religioso, o qual foi condenado a pagar R$ 60 mil reais de indenização.

O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça, e a relatora do caso Ministra Nancy Andrighi, avaliou ainda que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs aos pais, “notadamente à mãe”, sofrimento inócuo, “pois como se viu, os prognósticos de inviabilidade de vida extrauterina se confirmaram”. De acordo com a ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os direitos inatos da mãe e do pai“, que contavam com a garantia legal de interromper a gestação.

O Brasil, após a Constituição de 1998 passou a ser um Estado laico, permitindo-se todas as crenças religiosas, assim os limites da Fé e da religião devem encontrar o óbice natural nos limites legais e na vontade do indivíduo, evitando-se o abuso de remédios processuais para defenderem-se crenças religiosas.

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thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

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