COLUNA DO RICCHETTI – Lino Saglietti, o mestre que vive na memória

Alguns homens não pertencem apenas às suas famílias ou ao seu tempo. Pertencem à cidade inteira e se confundem com a própria história de um povo. Assim foi o Professor Lino, nascido em São Manuel, filho de José e Josefina, marido de dona Iole e pai de João Cláudio (Cláudio) e José Roberto (Beto).

Com apenas o curso primário concluído, a vida parecia lhe reservar horizontes modestos. Mas havia nele algo maior que diplomas: havia vocação. Na Escola Normal Livre de São Manuel, formou-se professor em 1941. Desde então, sua missão foi clara — ensinar com paixão e transformar pelo exemplo.

Foi mestre no grupo “Dr. Augusto Reis”, lecionou no Colégio “Prof. Carlos Bon” e se eternizou no Colégio Agrícola D. Sebastiana de Barros, onde os jovens aprenderam com ele não só conteúdos, mas valores. Sua presença em sala não se resumia ao quadro e ao giz, mas ao sorriso acolhedor, à palavra justa, à seriedade equilibrada pela simpatia que tornava o aprendizado leve e humano.

Homem público, fez política com honestidade — virtude rara e preciosa. Criou o brasão de São Manuel e idealizou o Museu Padre Manoel da Nóbrega, sempre movido pelo desejo de dar à cidade símbolos de identidade e memória. E, quando chegou à Assembleia Legislativa, honrou São Manuel como seu primeiro deputado estadual, sem jamais deixar que o poder lhe subisse à cabeça.

Não bastasse, foi conselheiro da Caixa Econômica Estadual, Inspetor das Escolas Agrícolas de São Paulo, secretário do Tiro de Guerra, chefe de Educação e Saúde do município, e membro atuante em instituições que marcaram a vida comunitária como o Lions, Rotary, Irmandade Vicentina e a Cooperativa de Cafeicultores. Em cada cargo, deixou sua marca de seriedade e serviço.

O rádio também o acolheu: sua voz firme e amiga marcou os lares da cidade, transformando informação em companhia. Foi ele quem ajudou a criar os programas Música para Você e Sociais, este último se tornando um dos mais populares da história da emissora.

No esporte, vestiu a camisa da Associação Atlética São-Manuelense e da Associação Atlética de Barra Bonita, defendendo o gol com a mesma entrega com que defendia seus princípios.

Mas talvez sua maior conquista não esteja nas medalhas, diplomas ou títulos — que foram muitos. Está, sim, no respeito que conquistou. No carinho dos alunos que o chamavam de mestre, no orgulho da família que formou. Está também na lembrança de uma São Manuel que, ao pronunciar seu nome, reconhece nele um patrimônio humano.

Eu próprio pude sentir essa dedicação de perto. Quando eu e meu amigo Beto, seu filho, decidimos prestar vestibular, ele se ofereceu para nos dar aulas de Português. Não pediu nada em troca: era apenas a generosidade de um mestre que acreditava em seus alunos. Foi graças a esse gesto que alcancei uma nota alta em português no vestibular — um resultado que devo diretamente a ele.

Mais do que ensinar conteúdos, ele me ensinou algo maior: que a curiosidade é o melhor estímulo para a aprendizagem. Despertou em mim, como poucos, o interesse pela leitura, e olhava para minhas redações com um sorriso afetuoso. Essa cumplicidade foi um combustível para que eu seguisse adiante com a escrita, transformando minhas ideias em poemas, crônicas e livros. Foi ele, com certeza, um dos grandes incentivadores para que um dia eu me transformasse em escritor.

Mas acima de tudo, Lino Saglietti foi um homem correto, dedicado e generoso. Não buscava aplausos fáceis, mas conquistava respeito verdadeiro. Sua simpatia natural, sua palavra honesta e sua postura de retidão deixaram marcas que permanecem vivas na lembrança de todos que o conheceram.

A grandeza de Lino não esteve nos cargos que exerceu, nem nas homenagens que recebeu. Esteve sempre na simplicidade de sua vida, na forma como olhava nos olhos, no exemplo silencioso de quem soube unir firmeza e ternura.

O Professor Lino foi, em essência, um construtor de memória e de futuro. Deixou-nos o exemplo de que a grandeza não está apenas em nascer em uma cidade, mas em fazer essa cidade nascer todos os dias em nós.

E assim, ao lembrar dele, São Manuel se vê no espelho da sua própria história — e reconhece, com gratidão, que teve entre seus filhos um homem que fez da vida uma lição e do exemplo a sua maior herança.

 José Luiz Ricchetti – 05/09/25

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