NA BEIRA DA TUIA – Uma homenagem a Tonico & Tinoco

(Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti baseado na biografia de ‘Viola e Sertão’ e Wikipédia e foto do site Letras.mus)

Se eu mencionasse os nomes de João Salvador Perez e José Salvador Perez, é muito provável que vocês me perguntassem quem são eles, porém se ao invés disso eu dissesse ‘Tonico e Tinoco’, a maioria logo me diria que é o nome de uma das mais importantes duplas da história da música caipira brasileira.

Nascidos na cidade de São Manuel, Estado de São Paulo, no final dos anos 20, numa fazenda em Pratânea, Distrito que alguns anos atrás foi elevado à condição de município, a dupla viveu toda a infância no campo, onde já muito cedo começou a ter interesse pela música, influenciados pelos avós maternos, que alegravam as noites da colônia da fazenda com suas canções caipiras, nas habituais rodas de viola.

Após a infância dos filhos em São Manuel a família Perez, de ascendência espanhola, se mudou para a cidade vizinha de Botucatu onde a jovem dupla começou a se apresentar, como cantores de moda de viola, participando de serenatas, quermesses, bailes e festas de São João.

‘Os raspaiz trabaiavam o ano inteiro para fazê bunito nos baile, junto às caboclinha. Nói lá de carça cumprida, camisa xadrez e as butinas pendurada nas costa para não estragá o solado. As menina com seus vestido de chita dançavam de pé descarço e com flô no cabelo cherando a gostosa’ mencionou animado, certa vez, numa entrevista, Tinoco ao se recordar das festas juninas da sua adolescência.

Essas festas eram, talvez, a única esperança que esses moços e moças, vindos da roça, tinham para arrumar um namoro. E foi num desses bailes que Tonico conheceu e apaixonou-se por Zula, filha do administrador de uma dessas fazendas, onde morou. Como, o pai da moça, na época, proibiu o namoro Tonico, se sentiu desprezado, o que o levou, mais tarde, a compor a famosa canção ‘Cabocla’ onde traduziu nos versos toda a mágoa engasgada no peito e no coração:

‘Cabocla cumé triste o meu viver, sem esquecer um só momento teu amor, me deixaste no sertão abandonado, este caboclo magoado padecendo grande dor….’

A dupla de talentos, sem qualquer apoio de mídia especializada (praticamente inexistente na época), continuou a ganhar fama, praticamente cantando em bailes e festas regionais, onde suas modas de viola, compostas por ‘Jorginho do Sertão’, nome imaginário, que utilizaram, no início, para assinar as suas canções de sucesso.

Perto dos anos 40, a inquieta família Perez decide, pela segunda vez, tentar a vida em outra região e se muda para a cidade de Sorocaba. Essa passagem curta pela cidade, sem, mais uma vez, prosperar, faz com que logo se arrependam e retornem para a cidade natal de São Manuel, onde pelo menos haviam tido uma infância humilde, mas feliz. Desta vez se estabelecem numa das colônias da fazenda chamada São João Sintra.

O fato é que, foi essa volta é que possibilita a eles cantarem, pela primeira vez, numa rádio. O administrador da fazenda, à época, encantado com a dupla, a leva para cantar na Rádio Clube de São Manuel, onde, após a primeira apresentação, a dupla é convidada a voltar todos os domingos para se apresentar num programa da rádio sobre música caipira.

A primeira canção que os dois músicos aprenderam foi ‘Tristeza do Jeca’ e a primeira apresentação profissional de Tonico e Tinoco foi feita na famosa e tradicional ‘Festa de Aparecida de São Manuel’, o segundo Santuário dedicado à Padroeira do Brasil.

Mas o patriarca da família Perez não admite deixar para depois a procura da prosperidade para a sua família e em janeiro de 1941 decide novamente tentar a sorte em outra cidade. Desta vez, mais ambicioso, escolhe partir, de mala e cuia, para a capital São Paulo. Nesse período inicial, sem estudos, suas filhas passam a trabalhar de doméstica em casas de família, Tinoco se emprega num depósito de ferro-velho, e Tonico, de enxada na mão, passa a capinar mato, como diarista, nas chácaras do bairro de Santo Amaro…

Mas foi em São Paulo que a dupla ainda com o nome de Irmãos Perez, tem a primeira grande oportunidade na carreira, ao inscreve-se no programa de calouros comandado por ‘Chico Carretel’, na Rádio Piratininga, onde são classificados para a final, interpretando “Adeus Campina da Serra”. O fato é que quando terminam de cantar, o auditório aplaude de pé e os demais violeiros concorrentes correm para abraçá-los!

Com o sucesso na primeira apresentação em um programa de rádio eles são contratados pela Rádio Difusora (Grupo Tupi do então jornalista Assis Chateaubriand). Foi nessa rádio, durante um ensaio do programa ‘Arraial da Curva Torta’, que ‘Capitão Furtado’, grande divulgador da música sertaneja apelidou a dupla dos irmãos Perez de Tonico & Tinoco.

A divulgação nos programas de rádio trouxe para a dupla sertaneja o sucesso imediato, fazendo surgir dezenas de convites para shows. A dupla então estreia em disco, na Continental, já em 1944, com o cateretê ‘Em vez de me agradecê’ e em 1946 o sucesso chega definitivamente e explode com “Chico Mineiro”

Com “Chico Mineiro” a dupla se consagra definitivamente no cenário musical e se torna a dupla sertaneja mais famosa do Brasil. Apesar da popularidade o trabalho ainda, na época, era limitado aos circos que iam ao interior do estado para apresentação dos ídolos sertanejos.

O slogan ‘A Dupla Coração do Brasil’ surgiu em 1951, quando o humorista Saracura resolveu batizá-los assim, pela interpretação de todos os ritmos regionais. Já o nome de um dos seus mais importantes programas rádio e televisão nasceu na rádio Nacional de São Paulo: ‘Um dia, a dupla sem espaço para cantar, num auditório lotado, fez com que entrasse no ar, transmitindo do corredor da rádio. Nesse momento, quando o locutor pergunta de onde o programa estava sendo transmitido Tinoco responde: ‘da beira da tuia (Tulha, na pronúncia caipira Tuia = Local das fazendas onde se guarda cereais em grãos). A partir desse dia o nome ‘Da beira da tuia’ viraliza e se transforma na marca registrada de programas da dupla.

Seguindo o sucesso, a dupla estreia em 1961 no cinema com o filme ‘Lá no meu sertão’ baseado na vida e obra de Tonico & Tinoco. Este foi um novo ciclo de dedicação ao cinema com inúmeros filmes, mas infelizmente, por não conhecerem os meandros deste mercado cinematográfico, foram facilmente enganados e tiveram enormes prejuízos.

Nessa época de dedicação ao cinema é que Tonico, (tuberculoso desde 1940), precisa ser internado num hospital em Campos do Jordão (SP), cedendo lugar para o irmão Chiquinho tanto nos shows, quanto nos programas de rádio e gravações de discos, fazendo a dupla com Tinoco.
Mais tarde Tonico faz uma cirurgia e volta a compor a dupla com ainda mais força e beleza. Por isso, em devoção a Nossa Senhora Aparecida, a quem atribuem a cura de Tonico, a dupla constrói na Vila Diva em São Paulo uma capela, que até hoje ainda recebe romeiros e devotos.

Nos anos 70 grandes novas mudanças ocorrem na carreira de Tonico & Tinoco e eles estreiam na Rádio Bandeirantes onde permanecem até 1983. Nesse período, mais precisamente no dia 6 de junho de 1979, Tonico & Tinoco fazem o que nenhum caipira havia sequer sonhado: Eles se apresentam no Teatro Municipal de São Paulo, num show de três horas que reúne um público recorde de mais de duas mil e quinhentas pessoas.

Da sua primeira aparição na cidade de São Manuel, a dupla chegava a um dos mais famosos teatros do mundo, que até então só abria suas portas para óperas, balés e concertos eruditos.

Durante todo esse tempo de sucesso, a dupla passa por muitas das mudanças na música sertaneja, mas jamais muda seu estilo, muito copiado durante as décadas de 1950 e 1960 e até hoje reverenciado por todo o mundo sertanejo.

A dupla Tonico e Tinoco, em mais de 60 anos de carreira, realizou mais de mil gravações, 40 mil apresentações e gravaram: 83 discos de 78 rpm, 14 compactos duplos, 9 compactos simples e 84 discos de 33 rpm. A dupla é uma das recordistas de vendas no Brasil e de acordo com diferentes fontes, suas vendas já atingiram mais de 150 milhões de cópias.

Apesar de toda essa fama e sucesso, a dupla nunca conseguiu enriquecer e nem ter uma aposentadoria tranquila como a grande maioria das duplas sertanejas da atualidade. O cantor Sérgio Reis, numa recente entrevista a um podcast, deu uma ideia clara sobre essa realidade ao contar do esforço que ele e Chitãozinho fizeram, para que um grande banco, perdoasse uma dívida de 40 mil reais do Tinoco e não tomasse seu único e pequeno imóvel…

Tonico nos deixou em 1994, aos 77 anos e Tinoco em 2012 aos 91 anos e o último show da dupla foi em Juína, no estado do Mato Grosso, no dia 7 de agosto de 1994.

Partiram, mas nunca se esqueceram da origem humilde e nem da sua querida terra natal de São Manuel para a qual prestaram uma linda homenagem quando compuseram a música ‘Minha Terra, Minha Gente’.

Assim para terminar esta minha homenagem à ‘Dupla Coração do Brasil’, abuso da licença poética para reescrever daqui da minha ‘beira da tuia’ um ‘punhado’ de alguns dos versos dessa linda canção:

São Manuel padroeiro, que protege o roceiro com sua bênção…
Cidade importante de onde só vem muita paz e união…
Foi só rever a palhoça, a minha casinha da roça, lá do meu rincão…
Ai, tudo me traz só recordação, da minha gente boa, do meu sertão….

José Luiz Ricchetti – 16/06/2023

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