Crônica: Dúvidas e certezas

Ela estava ali há pelo menos umas três horas…

A saída do desembarque internacional era normalmente muito cheio nos finais de semana e se podia ver todo tipo de gente.

Eram pessoas sozinhas, acompanhadas ou mesmo em grupos, todas muito excitadas, impacientes e apreensivas de tal modo que era fácil identificar, pela postura corporal, o clima de ansiedade.

Todas elas aguardavam amigos, filhos, maridos, esposas, namorados, empresários e uma infinidade de outras pessoas, todo tipo de gente e de relacionamentos que se possa imaginar.

É incrível como nessas horas ninguém consegue disfarçar a apreensão e ansiedade que toma conta daqueles que permanecem, nas saídas dos terminais dos aeroportos, esperando a chegada dos voos, principalmente em voos internacionais.

Apesar daquele mundo de gente, qualquer um que passasse por ali iria notá-la. Não se consegue deixar de perceber uma mulher assim.

Ela era linda e elegante. Tinha os cabelos na cor castanho claro, até o meio das costas, levemente ondulados, entremeados de mechas mais claras, quase loiras, com uma longa franja e trajava um bonito e sexy vestido branco, que destacava ainda mais suas formas.

Se não bastasse tudo isso, na moldura do seu rosto, um maravilhoso par de olhos azuis que completava seu quadro de beleza.

Perdida em seus pensamentos, depois de tanto tempo de separação, ela percebeu que haviam sobrado três certezas: a certeza de que iam recomeçar, a certeza de que era preciso começar do zero, a certeza de que, desta vez, não haveria impedimentos.

Já suas dúvidas eram, coincidentemente, também três: ele a perdoaria? Será que a reconheceria? E o que faria se ele a desprezasse?

Eram dúvidas pertinentes uma vez que ele não tinha a menor ideia de que ela o estava aguardando, pois tomou a decisão de ir esperá-lo no aeroporto assim que recebeu a informação de um amigo dele, companheiro de armas, que tinha regressado algumas semanas antes.

Ele, Capitão das forças armadas brasileiras, havia cumprido sua missão militar no Haiti pela missão de paz da ONU e orgulhos ostentava na lapela a medalha ‘Missão de paz das Nações Unidas’. Agora, depois de dois longos anos, estava finalmente a caminho de casa.

Ele não estava voltando em um voo militar, direto do Haiti porque havia passado por Washington, nos USA para um curso de 30 dias no Pentágono, sobre contrainteligência, sua especialidade.

Será que ela me esqueceu? Se casou? Por onde andaria? Eram as dúvidas que lhe atormentavam há muito tempo e que quase o deixara louco…

Eles haviam tido uma separação tumultuada, dois anos antes, quando ele informou que havia sido convocado para a missão do Haiti.

Foi logo após o noivado, naquele momento em que estavam no processo de escolha da data de casamento, padrinhos, à procura de um apartamento e todas as demais coisas que preenchem a vida de um casal, prestes a se casar.

Ela não havia aceitado que ele como militar, tinha uma missão a cumprir e que não tinha como recusá-la, e dizia que dava uma maior importância à carreira do que ao casamento.

Apesar da grande paixão por ela, da vontade de se casar e ter logo um filho, não havia alternativa, dada a sua profissão de militar. Missão dada é missão cumprida! Como se dizia no jargão militar.

Não adiantou ele argumentar que era a sua profissão e que coisas como esta podiam acontecer a qualquer momento. Orgulhosa ela insistiu na sua falta de compromisso e prioridade para a carreira.

Com isso acabaram terminando o noivado, dias antes da sua partida. Os dois sofreram muito com a separação, mas não houve outra saída….

(…)

O alto-falante do aeroporto comunicou que o avião vindo de Washington havia acabado de pousar.

Olhando para aquela multidão de pessoas, dava para logo perceber o grupo delas, que pela sua inquietude, estavam envolvidas de alguma maneira com a pessoas que estavam chegando naquele voo…

Ela, naturalmente, era uma delas.

Assim que ouviu aquele aviso vindo dos autofalantes ela sentiu um arrepio correr pelo corpo todo, seguido de um grande tremor nas pernas, as mãos ficarem úmidas de suor e um enorme aperto no coração.

Em seguida a grande dúvida sobre o perdão passou a dominar os seus pensamentos. Naquele momento as suas três certezas haviam se transformado em três enormes dúvidas.

Enquanto o avião taxiava e seguia em direção ao terminal ‘finger’ do aeroporto o Capitão também voltava a reativar as dúvidas que lhe martelavam a cabeça. Será que ela me esqueceu? Será que se casou? Por onde andaria?

Se fosse um filme de Wood Allen ele, como um grande diretor de cinema pediria ao cameraman que fechasse em close naquela aflita mulher, aproximando pouco a pouco a câmera até enquadrar totalmente o seu rosto e em seguida aqueles lindos olhos azuis, mostrando as lágrimas que escorriam pela sua face….

O portão de embarque então se abriu e surgiu o elegante e garboso Capitão.

O mesmo cameraman poderia, nesse momento, fechar em close, enquadrando agora o Capitão e mostrando como ele caminhava rapidamente em direção a saída do aeroporto.

Nesse momento ele foi rapidamente contido e seguro pelo braço. Ao se voltar, assustado, foi surpreendido por um forte abraço de uma linda mulher de cabelos castanhos e olhos azuis.

Enquanto ainda trocavam beijos apaixonados, ele sentiu vários puxões na perna da sua calça…..

Ao olhar para baixo, na tentativa de identificar o que acontecia, seus olhos se cruzaram com um par de pequeninos olhos azuis, no meio de um emaranhado de cabelinhos loiros que gritava: Papai, Papai!

Não foi preciso pedir perdão…. As dúvidas se transformaram em certezas!

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José Luiz Ricchetti – 22/09/2021

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