COLUNA DO RICCHETTI – Reflexos da minha vida

Depois de alguns dias de férias, quando voltamos para casa, sempre vem aquele sentimento de pertencimento, de alegria da volta ao lar, mas ao mesmo tempo de reflexão.

São dias em que a alma amanhece com gosto de despedida. Ali ao lado da lareira, sorvendo goles de um bom vinho e rememorando alegres lembranças da viagem, vejo que o tempo parece não ter pressa. Olho pela janela e, embora o sol esteja lá fora, é a luz da lua que ainda me visita por dentro.

Esses são os dias em que tudo muda silenciosamente — a luz, o tom da memória, o jeito como o vento toca o rosto. A vida, com suas estações internas, vai trocando a mobília da alma sem nos pedir licença. Arruma as gavetas, muda os retratos de lugar, e às vezes deixa a porta do passado entreaberta, só para que possamos espiar por um segundo o que fomos.

Há tanto do que fomos que continua a nos visitar…

Lembro das vozes da infância, dos rostos cansados dos adultos, das ruas de paralelepípedo da minha São Manuel querida e das manhãs em que a esperança parecia caber num pão com manteiga e num abraço de mãe. E, mesmo agora, tantos anos depois, há saudações de pessoas em apuros que ainda ecoam no meu coração. Gente que passou por mim como um sopro — mas deixou uma marca que o tempo, generoso ou cruel, jamais apagou.

Meus olhos se enchem, sim. Mas é minha mente que transborda. De saudade, de perguntas que nunca terão resposta, de sonhos que adormeceram antes de virar realidade. E tudo isso me faz querer voltar. Não ao lugar geográfico, mas à casa da alma. Aquela que existia dentro de mim antes do mundo me ensinar a endurecer.

Sinto que estou mudando — e é estranho perceber que envelhecer é, na verdade, voltar para si mesmo. É desarrumar certezas, desfazer conquistas, reaprender o essencial. Estou rearranjando tudo. E às vezes penso: o mundo é um lugar ruim, sim. Violento, apressado, insensível. Mas ainda não quero morrer. Porque há beleza escondida nas frestas, há amor no gesto mais simples, e há poesia até no último adeus.

Toda a minha tristeza cabe numa palavra só: tempo.

Todo o meu choro vem de não ter vivido alguns instantes com mais presença.

E meu maior desejo — talvez o de todos nós — é esse:

Leve-me de volta para o meu próprio lar.

Para aquele lugar onde a alma se sentia em casa.

José Luiz Ricchetti – 29/07/2025

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