
Há um lugar em que o tempo ainda caminha de braços dados com a memória: chama-se Jardim. Mas não é qualquer jardim. É o Jardim de São Manuel — famoso no passado pelo projeto do paisagista paulista Reynaldo Dierberger, criado em 1928, quando a cidade era rica graças à produção e comercialização do café.
Ali, onde a terra já sentiu o peso dos passos de gerações inteiras, onde bancos de granilite e seus postinhos de ferro, hoje já destruídos, ouviram confissões de amor e promessas sussurradas ao entardecer, onde cada árvore sabe mais de nós do que gostaríamos de admitir — ali mora a história.
E a história, meus amigos e conterrâneos, não é enfeite de praça ou letra em placa. Ela é o alicerce invisível que sustenta quem somos. É o passado que se recusa a morrer, porque ainda pulsa nas esquinas, nas fotos em sépia, nos carnavais antigos, nos antigos prédios e casarões que imortalizaram as famílias que a construíram, os bailes do Tenis Clube e do Recreativo, nas fontes que um dia jorraram sonhos e esperança.
Mas ultimamente, tenho visto algo que me entristece.
Tem gente que confunde progresso com esquecimento.
Tem quem acredite que história atrapalha a “modernidade”, que louças, pertences e quadros antigos são velharias, que restaurar custa caro e que lembrar é perder tempo.
Esses não sabem — ou talvez não queiram saber — que uma cidade sem memória é como um corpo sem alma. Anda, fala, respira…, mas não sente.
Não é saudosismo. É respeito.
Não é apego ao velho, é gratidão pelo que nos trouxe até aqui.
O nosso Jardim não é apenas um lugar bonito com árvores e bancos fantasma. É onde brincávamos de crescer, onde a cidade nos via florescer. É onde os velhos sorriam sem pressa e os jovens sonhavam alto, antes que os celulares tomassem conta das mãos e das tardes.
Mexer no patrimônio histórico é mais do que alterar paisagens.
É mexer com raízes. E toda árvore que perde sua raiz, seca.
Fico pensando se um dia, os que hoje ignoram e ferem o passado, em nome da modernidade e ousam colocar food trucks em meio a palmeiras imperiais, terão um passado digno de ser lembrado. Ou se estarão fadados ao esquecimento, como os prédios e casarões derrubados em nome do “avanço”, que nem nome deixam para trás.
Enquanto isso, eu caminho pelo nosso Jardim.
Converso com as pedras do seu piso, com as sombras das figueiras, admiro as palmeiras imperiais, passo em frente a fonte e sua carranca ali no histórico ‘Vai e Vem’, reacendo a cada passo a minha memória.
E de consciência tranquila, rezo, baixinho, para que o futuro ainda nos permita recordar.
Porque a história, meu amigo, não se apaga nunca.
Ela só espera que alguém a defenda.
José Luiz Ricchetti – 18/07/25