
Em São Manuel, havia um tempo em que empreender era um ato de fé, quase uma travessia no escuro. As ideias não vinham acompanhadas de planilhas, nem de metas, nem de business plan. Vinham da alma. Do desejo sincero de fazer acontecer. E foi nesse tempo que surgiu ele, Cid Catalan.
Era impossível não conhecer o Cid. Parecia ter nascido com o dom de não parar quieto. Um tipo de inquietude criativa, dessas que reinventam a cidade. Onde muitos viam apenas uma esquina vazia ou uma loja sem vida, ele via um novo “point” para a juventude sãomanuelense.
A “Banca do Cid” foi mais do que uma simples banca de jornal. Era ponto de encontro, confessionário silencioso de adolescentes apaixonados, e até oráculo informal para quem buscava novidades do mundo. Revistas, perfumes, discos, fitas cassete, canetas com cheiro de infância… tudo ali cabia, inclusive as histórias que o João da Banca escutava e guardava com um sorriso discreto.
João era o fiel escudeiro. De fala baixa e passos lentos, parecia ser o equilíbrio para o frenesi criativo do patrão. Mas não se engane, por trás daquele olhar calmo havia também uma semente de inquietude, talvez contagiado pela alma empreendedora de Cid. Anos depois, ouviríamos que João também criara asas e fora tentar a sorte em Botucatu.
Mas o Cid… ah, o Cid não se contentava. Depois da banca, vieram as sorveterias, as lanchonetes, os pequenos bares que surgiam como oásis para uma juventude sedenta de novidade. Em cada um desses espaços, um pouco da cidade se encontrava, em risos, em flertes tímidos, em papos eternos sobre futebol, música e sonhos.
E como se não bastasse toda essa criatividade ambulante, Cid ainda era um grande jogador de bocha. Nos fins de tarde, lá estava ele, com aquele olhar concentrado e a precisão de quem sabia jogar também com o tempo. Cada arremesso era uma aula de paciência e estratégia, como se dissesse que a vida, como a bocha, exige mira firme, mas também leveza.
Hoje, não sei que fim teve o Cid. Se sossegou em alguma varanda, ou se ainda planeja alguma nova aventura comercial. Mas sei que deixou marcas. Marcas invisíveis, daquelas que não aparecem nos mapas nem nos registros da Junta Comercial, mas que vivem na memória de quem dançou, amou, sonhou e cresceu em cada esquina onde o Cid deixava um pedaço de sua alma empreendedora.
E foi assim que hoje me deu saudade. Saudade do tempo em que São Manuel, pequena e carente de lugares para os jovens, ganhava novos espaços criados pela inquietude de um só homem. O Cid era mais que um comerciante, era um inventor de encontros. E no campo de bocha, era mestre em acertar o ponto certo entre o jogo e a vida.
E talvez, no fundo, seja isso que define os verdadeiros empreendedores: não os que vendem coisas, mas os que vendem possibilidades de viver.
José Luiz Ricchetti – 03/07/2025