Crônica: Você está perfeita esta noite

Crônica: Você está perfeita esta noite

(Texto criado e escrito por José Luiz Ricchetti)

cabeca-ricchetti Crônica: Você está perfeita esta noite

Hoje logo que acordei e tomei meu café cliquei no meu ‘spotify’ aleatoriamente e ouvi tocar aquela linda música de Ed Sharon ‘Perfect:

‘Amor, eu estou dançando no escuro

image-2 Crônica: Você está perfeita esta noite

Com você entre meus braços…

Ouvindo nossa música favorita…’

Naquele momento me transportei no tempo e no espaço e me vi entrando no baile do Clube Recreativo, clube social de minha cidade natal, São Manuel, pela primeira vez. Eu tinha acabado de completar 15 anos e estávamos em 1967.

Era a primeira vez que eu estava indo a um baile….

Entrar pela primeira vez naquele clube enigmático para mim, que estava só acostumado a passar em frente à sua porta era pura emoção.

Eu já tinha lido que aquela sede maravilhosa do clube havia sido construída alguns anos depois de 1889, data de sua fundação e, percebi agora que era formada por um prédio suntuoso, com uma estrutura similar a um grande palacete.

À sua volta se podia ver muitos dos seus enormes janelões, compostos de vidro e madeira, sendo que alguns deles iam até o chão e eram complementados por um pequeno balcão contornado de gradis de ferro.

Sua entrada principal era formada por um enorme hall, com frente para a rua, sustentado por quatro altas colunas que terminavam em um lindo telhado, na forma de uma pirâmide quadrangular, em cujo cume central pairava um grande para-raios, com uma base em forma de esfera, terminando com uma comprida haste de ferro com ponta. Um enorme lustre de ferro fundido e vidro, em estilo colonial, pendia do teto e completava a visão daquele maravilhoso e elegante edifício.

Me lembro que ao entrar me impressionei com o enorme salão com um piso brilhante, construído de tacos de madeira, adornados por pesadas cortinas de veludo vermelho, rodeado de mesas e cadeiras, tendo ao fundo um iluminado palco onde a maravilhosa orquestra do Silvio Mazzuca já iniciava sua primeira seleção, com músicas lentas entre elas o famoso bolero ‘Besame Mucho’.

Eu podia ver vários casais, que sem perder tempo, já se aventuravam pelo salão, todos dançando de rostos colados e esperando encher de mais gente para buscar o lado mais escurinho do salão e roubar aquele beijo escondido.

Dei uma olhada geral no restante do salão e consegui identificar atrás das mesas, perto da escada que levava ao bar, alguns dos meus amigos. Ufa, tinha encontrado alguém para dividir meu nervosismo…

Logo roubei de um deles um bom gole de cuba libre, para acalmar um pouco aquela minha ansiedade, pois estava difícil me manter em pé, e controlar a tremedeira dos joelhos e das mãos.

Comecei a conversar com eles, enquanto, ao mesmo tempo, esquadrinhava o salão em busca daquela garota com quem já tinha começado uma pequena paquera na escola e que poderia vir a ser a primeira namorada.

Aquela noite prometia…

O ápice do meu nervosismo foi quando após localizar a mesa da garota eu tive que me aproximar e pedir se ela queria dançar comigo. O medo de “tomar uma tábua” (expressão que definia o “não” da época) era enorme e fazia com que eu sentisse, mais uma vez, meu corpo tremer dos pés à cabeça.

Acho que, para os jovens de hoje, fica difícil explicar como isso era emocionante, como esse ritual de antes do dançar, pela primeira vez de rosto colado, era fantástico, e o quanto tudo isso fazia parte das nossas vidas.

Aqueles atos preliminares, antes de iniciarmos um namoro, eram momentos de muito nervosismo, mas era muito bom sentirmos toda essa sensação do procurar e do identificar a garota ideal.

Olhávamos no entorno do salão, trocávamos os primeiros olhares, ainda que furtivos, antes de criar aquela coragem para nos aproximar da mesa onde ela estava sentada com seus pais, sim porque as garotas só iam nos seus primeiros bailes com seus pais, para então chegar em frente a ela e balbuciar, tremendo, a difícil frase: – Quer dançar comigo?

Mesmo com o sim, vinha sempre a grande dúvida, se o sim dela era o “sim formal” para não dar o cano naquele jovem audacioso, ou se era “um sim real” de quem queria mesmo dançar conosco….

Sabíamos que a regra vigente, ditado pelos pais, era de que a garota só podia dançar no máximo três vezes, justamente para não dar a entender ao rapaz que não havia nenhum outro interesse que o da simples e boa educação de dançar uma seleção e que a filha não era ‘menina fácil’…

O fato era que, se houvesse correspondência, nossos rostos se colavam na próxima seleção romântica, e a sedução começava a fluir nas conversas de pé de ouvido, onde as pequenas mentiras, eram possíveis em nome do ingênuo romantismo.

Com muita sorte, naquela parte do salão onde as luzes diminuíam sua intensidade, era, talvez o momento daquele beijo inesperado, na face, o único da noite, para sentir a reação do arrepio inexplicável, do leve rubor e daquele olhar nos olhos para ver escapar o sorriso complacente que dizia ‘sim’.

Embora hoje não se tenha mais nada disso, ninguém vai conseguir roubar da minha memória esse primeiro baile, esse tempo mágico onde a leveza de uma dança me fazia flutuar pelos salões como se fosse uma pessoa especial.

Deixo aqui o desafio para quem nunca dançou uma só vez na vida de rosto colado, experimentar, quem sabe mesmo hoje, o que perdeu. 

 Voltando a minha primeira e difícil missão, criei coragem e fui em frente até chegar à mesa onde a garota estava sentada com seus pais e mesmo com as pernas trêmulas e o suor escorrendo pelos braços, pigarreei e disse:

– Quer dançar comigo?

O olhar dos pais em direção a ela e depois em direção a mim era o sinal verde de que eu estava aprovado! Ufa!!!

– Sim claro! Me respondeu ela

O alívio, em não receber a ‘tábua’ me incentivou a continuar o ritual de pegá-la pelas mãos e levá-la até o meio do salão, já pensando em ficar um pouco longe da mesa dos pais.

Trocamos olhares, pela primeira vez muito de perto e o sorriso nervoso, mas sincero emoldurou aqueles nossos olhares. A seleção era de músicas românticas entre sambas canção e boleros e a minha preocupação maior era controlar o nervosismo para não dar o grande fora de, já na primeira vez, pisar no seu pé e estragar tudo!

A noite transcorreu melhor do que eu tinha imaginado e pude sair do baile com a feliz promessa de que ela iria pensar no meu pedido de namoro.

…………………

É aqui, lembrando tudo isso que sigo voando no tempo para voltar e dizer àquela primeira garota, com quem dancei o meu primeiro baile, que se um dia ela sentir novamente uma brisa leve e suave a lhe tocar o rosto, como naquele dia da nossa primeira dança e do primeiro beijo roubado, que não tenha medo, pois será apenas minha saudade que lhe beija a face, no mesmo minuto de silêncio, que perdura no salão, ao final daquela seleção romântica de Ray Conniff.

Poderia lhe afirmar também que o tempo não irá nunca apagar da minha lembrança o sim do seu rosto, o seu olhar furtivo de assentimento, daquele dia em que dançamos de rosto colado pela primeira vez.

E jamais o tempo terá a capacidade de apagar de minha mente essas lembranças do meu primeiro baile, que fez daquele pequeno instante, um grande momento da minha vida.

Nestes nossos novos tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, só tenho mesmo que agradecer àquela menina que me fez viver aquele momento, cheio de verdades, de sentimentos puros, onde a ingenuidade era o nosso principal mister.

Por isso é que não tento mais escapar de certas lembranças que me vem à mente, pois percebo hoje que o melhor é mergulhar em todas elas de cabeça, para sentir tudo que se passou e voltar à tona com muito menos desespero, com muito mais sabedoria, pois afinal o tempo nos traz de volta muitas e gostosas verdades, exatamente nesses pequenos e ingênuos detalhes de cada fato, de cada acontecimento.

É por tudo isso que entendo que se voltarmos a dar importância ao amor simples, se deixarmos que volte a existir a pureza do primeiro olhar, a magia do dançar de rosto colado, do abraço apertado, do beijo roubado, da beleza do primeiro baile, haverá sempre a esperança de revivermos o verdadeiro amor.

………………………..

Em meio a todo esse meu devaneio e a essas lembranças eu percebo que a música de Ed Sharon está terminando. Por isso, encerro esta minha crônica declamando seus lindos versos finais que dizem:

‘Amor, eu estou dançando no escuro

Com você entre meus braços…

Ouvindo nossa música favorita

Quando você me disse que não se via tão bonita

Eu sussurrei bem baixinho….

Querida, você está perfeita esta noite…’

José Luiz Ricchetti – 18/03/2022

Share this content:

thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

Os comentários estão fechados.

Proudly powered by WordPress | Theme: Content by SpiceThemes

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
error: Reprodução parcial ou completa proibida. Auxilie o jornalismo profissional, compartilhe nosso link!