Crônica: Saudades da minha rua

Crônica: Saudades da minha rua

cabeca-ricchetti Crônica: Saudades da minha rua

Hoje foi daqueles dias em ao acordar caiu sobre mim uma chuva de saudades.

Saudades dos meus pais, Seu José e D. Vera como eram conhecidos na minha pequena cidade natal São Manuel. Saudades de quando a família saia para ir à missa de domingo. Saudades de ver meus pais passearem de mãos dadas pelas ruas da cidade, toda quinta feira…

Saudades da minha rua… Saudades dos meus vizinhos…

Lembro que morávamos ali na rua Epitácio Pessoa 144, no quarteirão onde ela cruzava com a rua Batista Martins e começava a descer até terminar na rua 4 de junho.

Minha rua! Ah rua de tantas peladas, de carrinhos de rolimã, de pega-pega, de jogar bolinhas de gude, de andar de estilingue no bolso, de empinar pipas…

Saudades de brincar de carrinho, de mocinho e bandido, onde meu cavalo era feiro de pau de vassoura, de caçar marimbondos, de tomar banho de chuva e rolar na enxurrada, de pular muros para ‘roubar’ frutas dos vizinhos.

Saudades de gritar alto quando marcava um gol na pelada. Pelada cuja única trave do gol ficava bem em frente ao meu portão, entre o poste de ferro da ‘Cia Força e Luz’ e a parede do muro de casa.

Ah…e os nossos queridos vizinhos? Aqueles todos, que moravam ali naquele pequeno trecho de pouco mais de cem metros.

Eram os mesmos vizinhos que nos viam batendo na porta da frente para pedir emprestado uma xícara de café moído, porque tinha acabado ou aqueles que não nos viam quando entrávamos escondido, pelos fundos de suas casas, para ‘roubar’ algumas frutas do pé.

Os mesmos vizinhos que quando nos viam em cima de suas árvores atiçavam o cachorro fazendo com que corrêssemos o quanto podíamos, para não sermos mordidos. Os mesmos vizinhos que da janela de frente olhavam pelo vidro, assustados, quando corríamos pelo meio da rua, ‘descida abaixo’, atrás da bola para que ela não fosse parar dentro do rio, que tinha lá embaixo, no final da rua…

As casas dos nossos vizinhos começavam ali na esquina da rua Batista Martins do lado esquerdo de quem desce, onde funcionava a leiteria do Celso Litério. Leiteria, onde todas as manhãs eu enchia a caneca de alumínio de leite que minha mãe iria ferver para o nosso café da manhã.

Nessa época, leite em saquinhos ou em caixas ou leite pasteurizado ainda era um sonho. O leite puro e fresco vinha direto da vaca, ordenhada de madrugada, nas fazendas do entorno da cidade. E lembrar que a mesma leiteria vendia também aquela deliciosa manteiga, feita de nata batida na hora e vendida por quilo.

Depois vinham algumas portas altas, de um senhor que vendia e comprava café, mas que não me lembro seu nome, seguida de um grande portão de ferro de um longo corredor que ia bater lá no muro do quintal do casarão do João Mellão. Casarão do Melão que tinha o casal do Seu Sebastião e sua dedicada esposa D. Mariquita como seus caseiros e que eram vizinhos de fundo da minha casa.

Depois do portão de ferro tinha a casa do Canutinho Meira e aí vinha a nossa casa. A nossa vizinha de baixo era a D. Irides Canela, pessoa boníssima que tocava extremamente bem seu piano, desde os áureos tempos em que acompanhava os filmes do cinema mudo na cidade exibidos no Teatro Municipal.

Vizinhos a D. Irides morava a família do alfaiate Seu Olinto, cujo filho Luiz Carlos era um dos que, que completava o time do racha da rua, pelada do tipo ‘ataque e defesa’ e ‘cinco vira dez acaba’. No final deste lado da rua, na esquina ficava a Loja Maçom, uma velha casa de paredes altas, sempre fechada e que tanto medo nos causava na infância. Até hoje não sei se a Loja ainda é lá nessa casa antiga e se ainda vivem no seu quintal o monstro de sete cabeças e o leão de dentes de sabre que comiam as crianças que ousassem pular o muro para pegar a bola….

Mais abaixo, bem na esquina com a rua 4 de junho ficava o célebre João Gallerani e sua famosa escola de datilografia. Datilografia? Sim datilografia, nome estranho para uma escola e que deve colocar um grande ponto de interrogação na cabeça dos mais jovens, ao se perguntarem o que essa palavra poderia significar…

No lado oposto, virando à direita e no começo da mesma rua 4 de junho, ficava o Café Grava, torrefação de café que espalhava pela nossa rua e pela cidade aquele cheirinho gostoso de café moído e torrado, que meu pai fazia questão de levar para São Paulo toda vez que íamos visitar minha avó materna.

Do outro lado da rua, tínhamos na esquina uma casa pintada de verde escuro, do gerente da Cia Força e Luz, cujo nome da família não me recordo até porque, talvez por serem pessoas vindas de fora, não tinham a mesma intimidade que todas aquelas famílias que viviam na nossa rua, há muito tempo.

Descendo mais um pouco vinham os Baroni, depois os Zaparolli, a Casa do Lica, da Vitória e do Zeca, da Maria Helena, que depois se casou com o Geraldinho Barros. Descendo ainda tínhamos, bem na esquina a loja de móveis do Nelson Maron, onde a gente descolava a madeira para construir nossos carrinhos de rolimã.

Ah como era gostoso jogar a nossa pelada com aquela turma da rua, sem falar de outros garotos que vinham de fora para completar o time. A maioria eram bem mais velhos do que eu e mais amigos dos meus irmãos mais velhos o Paulo e o Carlos.

Dessa turma toda que jogava lá eu me lembro do Macedinho, do Tufão, do Vuca, do Tales, do Bafo, do Maninho, do Dantinho, do Lica, vários dos irmãos Zaparolli e tantos outros que as vezes só estavam de passagem pela rua mas acabavam jogando também, porque, afinal, não existe coisa mais democrática do que uma pelada de rua.

Ah que saudade dessa minha rua, da minha casa, com seu quintal enorme, corredor dos dois lados e jardim na frente. Saudades dos cachorros que tive, desses queridos vizinhos e tanta coisa boa da minha infância que passei e vivi por lá.

Saudades essas que afloram toda vez que sinto no ar aquele cheirinho de café torrado, quando vejo no museu da criança um velho carrinho de rolimã exposto, quando olha numa rua qualquer e vejo uma casa antiga abandonada, de porta pra rua…

Saudades quando vejo um pé de manga no fundo de um quintal, quando me deparo no meu quarto de despejo com a velha máquina de escrever, quando ouço um piano tocando no final de uma tarde, quando encontro uma foto amarelada, perdida, dos meus pais, tirada bem ali na frente da minha casa… Naquela rua…

Sinto saudades até quando vou fazer um bolo e encho uma xícara com açúcar, pois ai me lembro das vezes em que batia na porta dos  vizinhos para pedir uma xícara de açúcar emprestada, a mando de minha mãe, para ela terminar o seu bolo de fubá….

Sinto saudades do vento, do cheiro, do som da minha rua…

Sinto saudades dos amigos e dos vizinhos que nunca mais vi, daqueles com quem nunca mais falei, dos que se foram e que não me despedi.

Nessas horas é que a gente percebe que saudades tem gosto, tem cheiro, tem rosto, tem muita vida.

Saudades não é coisa triste não! Saudades é coisa boa e tudo aquilo que sentimos falta hoje, é porque ontem tivemos de montão.

Saudades, começa doendo no coração, mas assim que passa aquela primeira aflição, nos vem a certeza de que se estamos sentindo saudades é porque tudo aquilo que vivemos valeu a pena!

José Luiz Ricchetti – 02/06/2021  

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Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

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