Um dia para “Quintanar” – por José Luiz Ricchetti

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Acordei no meio da noite, com algumas dores, em função da cirurgia do joelho que tinha feito e não consegui mais dormir. Talvez pelas dores ou porque era o dia de completar mais um ano de vida. Estávamos começando o dia 8 de outubro.

Tomei um comprimido para a dor, corri os olhos para os diversos livros colocados bem ali ao lado da minha mesinha de cabeceira e escolhi um deles para ler. O livro era a ‘Antologia Poética’ de Mário Quintana, um dos meus poetas favoritos. 

Fiquei ali na cama, lendo e relendo vários trechos dos seus poemas, até ver a manhã chegar com seus primeiros raios de sol, penetrando pelas frestas da janela do meu quarto. 

Levantei cuidadosamente da cama, peguei a bengala, e fui até a cozinha pegar um café expresso. Me sentei na varanda, numa posição confortável, para poder tomar calmamente, meu café, enquanto checava no notebook as notícias e redes sociais para me inteirar dos vários posts efatos do dia.

Logo me deparei com uma interessante crônica no Facebook, sem identificação do autor, que coincidentemente procurava descrever fatos da vida de Mário Quintana, nos seus últimos anos de vida. 

A curiosidade fez com que eu pesquisasse na rede, a autenticidade de alguns detalhes daquela narrativa, como também para que eu me aprofundar na pesquisa e descobrisse algumas outras particularidades do grande poeta.

Considerado o ‘Poeta das coisas simples’ Mario Quintana, nasceu em 1906 em Alegrete – RS e muito cedo se mudoupara Porto Alegre onde estudou no Colégio Militar e trabalhou como jornalista e tradutor, quase toda a sua vida. 

Quintana traduziu mais de 130 obras da literatura universal, incluindo obras de diferentes autores e estilos como Proust, Virginia Wool e Papin. Em 1940, o poeta lançou seu primeiro livro de poesias, ‘A Rua dos Cataventos’, iniciando assim, oficialmente, a sua carreira de poeta, escritor e autor infantil.

Mário Quintana não se casou, nem teve filhos, viveu solitário, só com suas poesias e residindo em hotéis. Trabalhou na Editora Globo, na farmácia do pai, até que em 1953, iniciou no Jornal Correio do Povo, como colunista da página de cultura, onde permaneceu até 1977, quando este tradicional jornal, já à beira da falência, o despediu.

Voltei a ler mais um trecho daquela crônica, que ressaltavaas dificuldades financeiras vividas pelo poeta, quando foi despedido do Correio do Povo:

“O hotel Majestic mostrou a Mario Quintana o olho da rua, colocou o para fora. A miséria chegou absoluta ao universo do poeta……..Mario está só. O Correio do Povo faliu, o passado faliu, as palavras faliram.”

Pesquiso mais um pouco e descubro um detalheinteressante, que uniu, por acaso, a poesia e o futebol…

Após ser despejado do hotel Majestic, Quintana, sem dinheiro e sem ter para onde ir, acaba sendo amparado por Paulo Roberto Falcão, craque da seleção brasileira ecélebre jogador do Internacional de Porto Alegre e do Roma na Itália, que num lindo ato de benemerência, lhe cede, gratuitamente, um quarto no Hotel Royal, de sua propriedade, para que passe a residir.

Por mais incrível que possa parecer Quintana foi por trêsvezes barrado na Academia Brasileira de Letras, sendo que na quarta vez, muito magoado, se recusou a participar do processo de escolha. Talvez para nos provar que talento e reconhecimento não andam necessariamente juntos, neste nosso mundo. 

Ironicamente, vale mencionar que, na Academia de hoje, temos vários políticos e escritores, como Fernando Henrique, José Sarney e Paulo Coelho, só para citar três deles, todos eles exemplos vivos de pessoas, que jamais chegaram ou chegarão aos pés do fantástico Mário Quintana.

Em sua defesa o poeta e escritor Luís Fernando Veríssimo chegou até a desabafar: “Se Mário Quintana estivesse na ABL, não mudaria sua vida ou sua obra. Mas não estando lá, é um prejuízo para a própria Academia. 

Volto as curiosidades sobre o poeta e descubro que quando ele passou a morar naquele quarto de hotel cedido pelo jogador Falcão, uma amiga chegou a comentar com ele que o quarto era muito pequeno, no que Quintana lhe respondeu: 

“Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom, assim tenho menos lugares para perder as minhas coisas. “

Em 1966, foi publicada a sua ‘Antologia Poética’, com sessenta poemas, organizada por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, para comemorar seus sessenta anos. Nesse dia Quintana foi saudado na Academia Brasileira de Letras por Augusto Meyer e Manuel Bandeira. 

Bandeira recitou o poema ‘Quintanares’, feito em homenagem ao colega gaúcho.

Meu Quintana, os teus cantares

Não são, Quintana, cantares:

São, Quintana, quintanares.

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Por isso peço não pares,

Quintana, nos teus cantares…

Perdão! Digo, quintanares.

Mario Quintana passou para a outra dimensão em 1994 aos 87 anos, em Porto Alegre.

Nos deixou uma herança poética maravilhosa e paraterminar esta homenagem, ao poeta das coisas simples deixo impresso aqui um dos seus mais lindos poemas, que fala por si só:

‘O Tempo’ 

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas!

Quando se vê, já é sexta-feira!

Quando se vê, já é natal…

Quando se vê, já terminou o ano…

Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.

Quando se vê passaram 50 anos!

Agora é tarde demais para ser reprovado…

Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada

e inútil das horas…

Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu aamo…

E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.

Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.

A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará….

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