
AMIGOS DOURADOS
Ahh os ‘Anos 60’ !
Com certeza foi a época em que todos nós, pessoas privilegiadas, vivemos, convivemos e curtimos cada segundo, cada minuto, cada dia daquele extraordinário período da nossa vida, da nossa juventude.
Estes encontros de amigos, que passamos a ter, nestes últimos anos, aqui em São Manuel no dia de Corpus Christi, encontros que denominamos de ‘Anos 60-Anos Dourados’ nunca foram meras reuniões de conterrâneos ou conhecidos, para apenas nos revermos socialmente e batermos um papo.
Eles tem sido e são, na verdade, encontros que vêm recheados de grandes reencontros de vidas, de corações, de almas, temperadas com muitos casos, histórias e fatos pitorescos, sérios e engraçados, felizes e até alguns tristes, mas todos eles sempre vividos, intensamente, por cada um de nós, que temos muita, mas muita coisa mesmo, em comum, a começar por termos nascidos nesta nossa querida cidade de São Manuel.
Comecei a relembrar muitos desse fatos e histórias vividos com todos esses velhos amigos, que guardados na minha memória, desafiam o tempo, e aí tive a certeza de que é exatamente o que esses encontros nos proporcionam de melhor, uma viagem no tempo, desafiando essa variável finita, mas que muitas vezes, devido a suas particularidades e marcas que deixam, nos parecem sem fim.
Nossos encontros nos contam histórias, muitas histórias sobre essa forte e grata amizade que começou nos tempos de criança, depois passou pelos tempos da adolescência, nos quais vivemos e assumimos, independentemente de qualquer condição social ou diferenças de idade o protagonismo dessa mesma parte do tempo, do nosso tempo, o indescritível tempo dos anos dourados.
E quando surgiu essa amizade especial?
Acredito que como num filme surrealista de Luís Buñuel, essas amizades começaram, muito mais cedo do que imaginamos, quem sabe, numa troca de olhares e por que não de choros, quando, em volta do coreto do jardim, todos nós, ainda bebês de colo, nos braços de nossas mães, já batíamos um papo e trocávamos confidências, como verdadeiros amigos do peito.
E como esquecer os anos 60?
Anos das brincadeiras dançantes, na garagem da casa de alguma das garotas, regadas a um escondido litro de Martini doce, das danças de rosto colado, entrelaçando nossas mãos suadas, embaladas pelas batidas aceleradas dos corações, seladas com o primeiro beijo no rosto, ao embalo da música do rei: ‘Nossa Canção’.
Das serenatas de todos os sábados, pelas ruas da cidade, visitando nossas musas e namoradas; dos desfiles de carros alegóricos nos feriados oficiais, que tinham como recheio a banda marcial do Colégio Agrícola, os atiradores do Tiro de Guerra e a sempre improvisada, mas divertida, fanfarra do nosso Instituto de Educação.
Do primeiro fogo, escondido no reservado do bar do japonês Kawakami, ali na Batista Martins com a Epitácio Pessoa, bem como das deliciosas pizzas do engraçado João, do bar Colonial, ou então das fantásticas ‘brincadeiras’ na churrascaria Ki-Brasa, ao som dos conjuntos do Brahma ou do Paulinho, embaladas na voz gostosa do cantor Alberto.
Ahh….Esses incríveis anos da nossa adolescência!
Das tardes e noites de sinuca nos bares Patota e Brasília, ou gastando o tempo, sentado nas grades de ferro, ali na Biblioteca do Paço Municipal, chupando um sorvete de limão do Chiquinho e ouvindo os sucessos dos Beatles, Bee Gees, do Roberto Carlos, Milton Nascimento, MPB4 e tantos outros, que ecoavam da velha e surrada vitrola da Casa Ricchetti.
Dos grandes bailes com orquestras, no Clube Recreativo, carregados de romantismo, ao som de “Besame Mucho”, das sessões do Cine São Manuel, de terno e gravata, para arriscar pegar na mão das meninas, no escurinho da plateia, enquanto os mais velhos se beijavam no “Pulmam” com suas cadeiras reclinadas, chupando uma bala “Pipper”.
Das aventuras no velho clube da Água Nova; das madrugadas de Corpus Christi regadas a pipoca e quentão; das visitas às fazendas, para ver “as meninas de fora”, filhas, amigas e sobrinhas dos fazendeiros, que recém-chegadas vinham sempre para passar as férias na cidade.
Dos incríveis blocos, corsos e bailes do nosso inesquecível Carnaval, com suas marchinhas, lança perfume, confete, serpentina e rei momo chegando de trem na velha estação, sem esquecer a curtição do primeiro baile, da primeira namorada, do primeiro beijo, escondido no escurinho do portão.
Enfim, relembrando tudo isso a gente percebe o quanto foi feliz e quanto essa amizade veio sendo construída no tempo, com gestos e palavras, com sentimentos, com coisas em comum, que vivemos e compartilhamos, todos juntos.
Às vezes, mesmo estando longe, separados por grandes distâncias, pode até nos parecer, que essa velha amizade tenha se transformado, deixada de lado ou adormecida. Mas ela nunca, nunca perdeu a sua verdadeira essência e permaneceu sempre unida pelos elos, desse tempo espetacular, que vivenciamos nesses anos dourados, tendo sempre como pano de fundo a nossa querida cidade, cujo rio, que a transpassa não por acaso, se chama Paraíso.
Toda essa amizade, não se construiu num segundo, num minuto, em um dia, ela se solidificou com o tempo e nada disso se apaga mais. Ter essa oportunidade desses encontros, ou melhor, desses reencontros, depois de tantos anos é perceber que na verdade essa amizade nunca saiu de nossas vidas. Ela sempre esteve lá e deixou, de uma forma ou de outra, marcas indeléveis nos nossos corações.
Não somos amigos como se fôssemos simples testemunhas de um passado em comum ou meros contemporâneos de uma mesma época, somos muito mais que isso, somos todos amigos como espelhos de almas, como numa fusão de corações, onde se pode sentir a forte proximidade das nossas famílias, passando pelo amor, pela sinceridade, pela solidariedade, pelo apreço, pela segurança, pelo conforto, pelo porto seguro, pela irmandade, tudo isso independentemente do tempo que já se foi e que ainda virá.
São com esses velhos amigos que dividimos, ainda hoje, mesmo que, às vezes, só por redes sociais, direta ou indiretamente, longe ou perto, nossas lembranças, nossas melhores fotos, nossas dificuldades, nossas tristezas, nossos choros, nossas experiências, nossas alegrias, nossos risos, nossos filhos, nossos netos, nossas lutas e nossas vitórias.
Alguns não puderam, infelizmente, estar aqui hoje, outros já se foram trilhando o caminho, na nossa frente, da vida em outros planos, mas como é bom poder sentir saudades deles todos, estejam onde estiverem, sempre tendo a certeza, de que de um modo ou de outro estão todos, bem aqui, sempre presentes, num cantinho do nosso coração.
São amizades, como essas, testadas pelo tempo, que têm essa capacidade, mesmo de longe ou só se reencontrando algumas vezes, de bater o mesmo papo legal, de tomar a mesma cervejinha juntos, de trocar ideias e contar as velhas piadas e os casos marcantes, como se fosse ontem, de poder olhar de frente e ver o mesmo sorriso juvenil, estampado na mesma face, de compartilhar e sentir o mesmo abraço sincero e apertado de 30,40 anos atrás.
Essas amizades não passam como se fossem uma chuva de verão, porque elas têm raízes profundas, e como as árvores de raízes profundas elas não sucumbem e nem temem os ventos nem as tempestades.
Amigos assim não se compram, não se alugam, não se vendem, eles nascem e morrem com a gente. Amigos assim são seres que a vida não explica, ela somente nos dá a grande oportunidade de viver e de sentir.
São amigos assim que tem a capacidade de fazer, apesar de tudo que já vivemos, o nosso coração sorrir, pois acho que todos nós já aprendemos a lição de que o que mais importa nesta vida não é “o que temos”, mas “quem temos”.
E quando estou pensando na última frase para terminar esta crônica, como numa grande coincidência e um especial presente, o ‘Spotify’ do meu celular, começa atocar a “Canção da América”, essa obra prima de Milton Nascimento e Fernando Brant.
Assim vou terminando por aqui, parafraseando seus lindos versos, para dizer que amigos como vocês, são coisas para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração mesmo que o tempo e a distância digam não, pois o que importa é ouvir sempre essa voz que vem do nosso coração.
E seja o que vier, venha o que vier, aconteça o que acontecer, qualquer dia, amigos dourados, custe o que custar, aqui ou do lado de lá, a gente vai se reencontrar!