O primeiro baile, por José Luiz Ricchetti

Não me recordo se foi com treze ou quatorze anos quando fui ao meu primeiro baile, mas posso dizer que jamais o esqueci.

Foi lá na minha querida cidade natal de São Manuel, no antigo e belo Clube Recreativo, construído através de uma arquitetura bastante similar ao velho Paço Municipal e cuja entrada era formada por um grande átrio, de quatro colunas, completado pelo lindo telhado de quatro águas, em forma de pirâmide.

Ao subirmos suas escadas e adentrarmos o suntuoso salão se podia ver ao fundo o palco principal, todo iluminado e do lado esquerdo as suas janelas altas de duas folhas, com seus vidros de bordas bisotadas, tendo ao centro o monograma ‘CRSM’, translúcido, marcado em jato de areia.

Em todo o seu redor podíamos ver as laterais decoradas com rico papel de parede, tendo a sua frente as fileiras, de pequenas mesas redondas, com seus pés curvos, tampos de mármore, adornadas por suas cadeiras com acento de palha. Era um prédio lindo e bastante sofisticado, que infelizmente não temos mais…..

Mas voltando ao meu primeiro baile, tenho aqui na minha memória, bem guardado, todos os acontecimentos por inteiro, como se fosse hoje, desde o primeiro instante quando adentrei no salão com os amigos do peito e vi ao fundo aquele palco iluminado e a grande orquestra do ‘Sílvio Mazzuca’, tocando aquele gostoso bolero ‘Besame Mucho’. 

Se não fosse a cuba libre, rapidamente dividida, entre goles, com os amigos de infância, para acalmar um pouco a ansiedade e o nervosismo, talvez não conseguisse ficar em pé, nem controlar a tremedeira dos meus joelhos.

O ápice do nervosismo foi quando precisei me aproximar de uma mesa e pedir àquela menina bonita, se queria dançar. O medo de “tomar uma tábua” (expressão que definia o “Não” da época) era enorme e fazia com que a gente sentisse o corpo tremer dos pés à cabeça.

Acho que, para os jovens de hoje, fica difícil explicar como isso era emocionante, como esse ritual do ‘antes do dançar’ e o de ‘dançar pela primeira vez’, de rosto colado, era fantástico, e o quanto tudo isso fazia parte das nossas vidas.

Aqueles atos preliminares, antes de iniciar uma paquera, que quem sabe com sorte, seria o começo de um namoro, era bem nervoso, mas era muito bom, sentir a sensação do procurar, do identificar, de encontrar a nossa garota ideal.

Olhávamos no entorno do salão, trocávamos os primeiros olhares, ainda furtivos, antes de criar aquela coragem, de nos aproximar da mesa, onde a garota estava sentada com seus pais. Sim, porque as garotas só iam nos primeiros bailes com seus pais. Depois era a hora de chegar em frente a ela e balbuciar, tremendo, a difícil frase: “Vamos dançar? ” 

Mesmo com o sim, vinha sempre a grande dúvida, se o sim era o ‘sim formal’ para não ‘dar o cano’ naquele jovem audacioso, ou se era ‘um sim real’ de quem queria mesmo dançar conosco….

Sabíamos que a regra vigente, ditado pelos pais, era de que a garota só podia dançar no máximo três vezes com o mesmo garoto, justamente para não dar a entender ao jovem rapaz, que não havia nenhum outro interesse que o da simples e boa educação de dançar uma seleção.

O fato era, que se houvesse algo mais entre os dois, os rostos se colavam na próxima seleção romântica, e a sedução começava a fluir nas conversas de pé de ouvido, onde as pequenas mentiras, eram possíveis, em nome do ingênuo romantismo.

Com muita sorte, naquela parte do salão, onde as luzes diminuíam sua intensidade, morava a esperança de ter, talvez, aquele beijo inesperado, na face, o único da noite, para então sentirmos a reação do arrepio inexplicável, do leve rubor e daquela olhar bem nos olhos, para ver escapar ou não, o sorriso complacente da futura namorada.

Embora hoje não se tenha mais nada disso, ninguém vai conseguir roubar da minha memória, esse meu primeiro baile, esse tempo mágico onde a leveza de uma dança me fazia flutuar pelos salões como se fosse uma pessoa especial. E deixo aqui o desafio para quem, nunca dançou uma só vez na vida, de rosto colado, experimentar, quem sabe hoje, o que perdeu. 

É aqui hoje, nesta crônica, lembrando tudo isso que sigo voando no tempo para voltar e dizer àquela primeira garota, com quem dancei o meu primeiro baile, que se um dia ela sentir novamente uma brisa leve e suave a lhe tocar o rosto, como naquele dia do nosso primeiro beijo roubado, não tenha medo, pois será apenas a minha saudade que lhe beija a face, no mesmo minuto do silêncio, que perdura no salão, ao final daquela rara seleção romântica de ‘Ray Conniff’.

Poderei afirmar também que o tempo não irá apagar a lembrança daquele seu ‘sim’ estampado no rosto, do seu olhar furtivo de assentimento, daquele dia em que dançamos de rosto colado pela primeira vez, pois jamais o tempo tem a capacidade de apagar essas lembranças desse nosso primeiro baile, que fez daquele nosso pequeno instante, um grande momento, tenho certeza, da nossa vida.

Nestes nossos novos tempos em que quase ninguém se olha nos olhos, em que a maioria das pessoas, mais se interessa pelo que não lhe diz respeito, pelo superficial, pelas ‘selfies’ e pelas viagens tipo ‘instagram’, só tenho mesmo que agradecer àquela menina que me fez viver aquele lindo momento, cheio de verdade, de sentimentos puros, onde a ingenuidade e pureza era o nosso mister.

Por isso é que não tento mais escapar dessas lembranças que me vem à mente, pois percebo hoje que o melhor é mergulhar em todas elas de cabeça, para sentir tudo que se passou e voltar à tona com muito menos ansiedade, mas muito mais sabedoria, pois afinal o tempo nos traz de volta muitas e gostosas verdades, exatamente nesses pequenos e ingênuos detalhes de cada acontecimento vivido.

Acho que muitas das pessoas, hoje, se esquecem disso e já não curtem as pequenas alegrias vividas e ficam só remoendo o que não fizeram, aguardando chegar, talvez um dia, uma grande felicidade, que nem sabemos se é deste mundo.

A esses eu lembro que a vida sempre segue o seu rumo, acontecendo nos pequenos detalhes, nos desvios, nas surpresas e nas pequenas e sutis alterações, que não são nunca determinadas por nós, mas pelo gostoso clima da surpresa e do acaso.

Por isso tudo, se dermos mais importância ao amor, se deixarmos continuar a existir em nós, a pureza do olhar de uma criança, o nosso primeiro baile, a magia do dançar de rosto colado, o primeiro abraço, o beijo inocente e furtivo, a beleza do primeiro baile da vida, haveremos sempre de continuar a ter a esperança que toda essa ingenuidade e pureza volte a comandar os nossos atribulados dias de hoje.

Afinal não existe tempo que se foi, não existe tempo para se economizar nas boas lembranças, quando esse tempo foi travestido de muitas alegrias, de grandes sentimentos, pois seja ontem, hoje ou amanhã sempre existirá tempo para cultivarmos as pequenas coisas do amor!

SOBRE O AUTOR:
José Luiz Ricchetti, nascido em São Manuel, é oriundo de famílias das mais tradicionais da cidade como Ricchetti, Ricci e Silva, é casado e tem 3 filhos. Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Industrial – EEI, com pós-graduação na FGV em Administração de Empresas e Comércio Exterior, tem MBA na área de Gestão de TI e Telecom pelo INATEL-UCAM, tendo atuado por mais de 35 anos, como executivo de grandes empresas brasileiras e multinacionais no Brasil e no Exterior.

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