Que saudades do curso primário – Por José Luiz Richetti

Que saudades do curso primário – Por José Luiz Richetti

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Hoje minha filha de 5 anos voltou a frequentar as aulas presenciais. Eu e minha esposa ainda estávamos relutantes, uma vez que sou da faixa de risco em relação ao Covid-19. 

Porém a situação da minha filha, presa em casa, todo esse tempo estava ficando difícil para ela e afetando demais o seu lado psicológico, alternando crises de choros e muitas saudades dos seus coleguinhas.

Assim optamos por deixar ela voltar as aulas presenciais, até porque a escola fica dentro aqui do nosso condomínio e a diretora nos deu bastante segurança com o protocolo que foi adotado.

O fato é que tudo isso fez também com que eu voltasse no tempo e me lembrasse do meu tempo de pré-primário e primeiro ano do primário e do quanto ele foi importante na minha formação e na minha vida, não só em relação ao aprendizado em si, mas principalmente aos valores e à importante noção do que é respeitar e ser respeitado. 

Minha primeira escola se chamava Grupo Escolar Dr. Augusto Reis e minhas primeiras professoras foram D. Sirte Braga no pré-primário e D. Isaura Lima no primeiro ano do Primário. 

Na escola nos sentávamos naquelas carteiras de madeira de dois em dois, que tinha o banco retrátil e trazia na sua tampa superior um buraco, onde, antigamente, se colocava o tinteiro, para molhar as penas das canetas. Não tínhamos ‘ar condicionado’ mas recebíamos o ar fresco que entrava por aquelas janelas altas com suas cortinas brancas, um pouco encardidas pelo tempo.

Nossos uniformes eram uma camisa branca, calça curta azul marinho e meias três quartos, também branca. A calça curta não era bermuda, pois esse traje só veio a existir e a ser popular muitos anos mais tarde e era chamava assim porque era exatamente como se fosse uma calça social com suas pernas cortadas na altura do joelho. Já as meninas usavam uma saia plissada, azul marinho e também usavam as mesmas camisas e as meias três quartos brancas.

Todos nós tínhamos a nossa lancheira, onde levávamos o lanche e a garrafinha de suco. O lanche era, normalmente, um pãozinho com manteiga e os mais abastados levavam o seu pãozinho recheado com queijo, presunto ou mortadela. 

Era comum, trocarmos de lanche com algum coleguinha de classe. A frase chave para isso era: – Me dá um pê aí ?

Dentro da lancheira também iam aqueles copinhos retráteis, de plástico, para tomarmos água naquele bebedouro azulejado e cheio de torneiras comuns.

Antes de entrarmos na sala de aula, ficávamos no pátio, todos perfilados, em frente ao mastro da bandeira, tendo também a frente todo corpo docente da escola e o diretor. 

O hino nacional era então tocado, todos colocavam a mão em cima do coração e a bandeira hasteada. Somente depois é que entrávamos, todos em fila e de mãos dadas, cantando e ladeados pela professora, até chegarmos a nossa sala. 

Quando o professor, o diretor ou alguma visita entrava na sala, todos, em sinal de respeito, se levantavam. Ninguém desrespeitava, xingava, ou fazia qualquer ato que desabonasse professores, diretores ou funcionários da escola. Caso ocorresse isso era suspensão ou expulsão na certa sem que nenhum pai se voltasse contra a escola ou professor.

Conforme a época, cantávamos também, antes de entrar, o hino da independência e hino à bandeira. Tínhamos também na semana do dia 7 de setembro, as comemorações da data da independência do Brasil e ensaiávamos para o desfile, que tinha a participação das demais escolas do município e também do tiro de guerra. 

Quando se aproximava a primavera e chegava o dia da árvore, tínhamos a tradição de cantarmos músicas relativas àquela estação. Me lembro, como se fosse hoje, de uma delas que dizia, nos seus versos, alguma coisa assim:

‘Desperta no bosque gentil primavera,

Com ela chegou o canto, gorjeio do sabiá

Tralá lalalalá……. ‘ 

Para levar o nosso material para a escola, usávamos uma maleta de couro, com sua tampa sendo uma parte que dobrava e era fechada através de um único fecho de pressão, com chave ou então de dois fechos de encaixe, com borboletas que giravam para o seu fechamento. 

Dentro da maleta é que colocávamos os cadernos e livros, todos encapados com folhas de papel seda na cor verde ou vermelha e com uma etiqueta branca, bem grande, no meio da capa, contendo o nosso nome, nome da professora e também a matéria, respectiva.

Saíamos de casa a pé e íamos nos juntando pelo caminho com outros amiguinhos, sempre rindo, brincando um com o outro, trocando figurinhas, mostrando a nova ‘burca’ (bolinha de vidro grande) que carregávamos no bolso, para poder jogar bolinha de gude, no intervalo da aula, o recreio, como chamávamos, naquela parte de chão de terra, da escola.

Não perdíamos tempo vendo ‘celular’, muito menos ‘smart phone’, nem navegávamos pelo ‘google’, ‘facebook’, ‘instagram’, ‘tik tok’ ou qualquer outro tipo de rede social, que tanto escravizam e alienam hoje, as nossas crianças, até mesmo porque tudo isso sequer existia. 

Qualquer pesquisa que precisasse ser feita, tinha que ser na biblioteca municipal, usando a Enciclopédia Barsa, a enciclopédia Lello Universal, os Trópicos ou então buscando dados e informações em alguns poucos livros e revistas disponíveis. 

E depois ainda tínhamos que transcrever tudo para o caderno, escrevendo tudo com as mãos, pois também, não haviam ainda os computadores, notebooks e tabletes. 

Era comum apelidarmos os nossos colegas, com apelidos normalmente ligados a algum aspecto físico extraordinário. Assim eles recebiam apelidos como: ‘porco’, ‘gordo’, ‘branquelo’, ‘ferrugem’, ‘nariz’, ‘dumbo’, ‘cabeção’, ‘maneta’, ‘olívia palito’, etc. 

Todo mundo zoava com todo mundo e ninguém se queixava de ‘bullying’ e nem havia alguém disposto a classificar aquilo como um preconceito. Tudo era levado na brincadeira, na esportiva mesmo e sempre feito por todos na maior inocência. 

Muitas vezes até saia algum atrito, mas tudo era resolvido do lado de fora da escola. Esses atritos, normalmente, começavam com um empurrão, um ou outro palavrão até aparecer o chavão de palavras como:

– Me espera na saída!  

– Te pego depois seu moleque! 

– Olha aqui oh! (Mostrando a mão fechada)

Às vezes a briga acontecia mesmo, mas logo tudo passava e era resolvido e se seguia em frente convivendo amistosamente com todos aqueles amigos e colegas de escola…. Tudo era levado na brincadeira. 

É claro que também existia aquela figura do valentão da turma, mas também do outro lado existia o irmão mais velho de alguém, que quando chamado, fazia tudo ser resolvido rapidinho…

A nossa merenda escolar vinha com aquele leite com chocolate, com um forte e característico gosto de leite em pó. Também haviam o dia para aplicação do flúor e dia de vacinação. 

Me lembro, por exemplo, da terrível vacina de varíola, feita no braço ou na perna, dependendo se era menino ou menina, usando sempre uma espécie de caneta, com uma pena com ponta, para arranhar o local e depois aplicar em cima o líquido da vacina. 

Quem de nós não ficou, dias depois, com aquela enorme ferida no braço, deixando depois uma marca no local, para o resto da vida? 

Nossas férias eram de 3 meses, começavam em dezembro e terminavam em março, além de termos também as férias de julho. 

Tomávamos ‘kisuko’, usávamos o ‘kichute’ e ‘tênis bamba’. Chupávamos dropes ‘dulcora’ (Embrulhadinhosum a um), bala ‘chita’ e mascávamos a famosa goma de mascar da marca ‘chicletes’ cujo nome, de tão famoso, virou homônimo de goma de mascar. E não podemos nos esquecer, daqueles sorvetes de palito, de coco queimado, de limão ou groselha. 

Na saída da escola ainda tínhamos o pipoqueiro na esquina, vendendo pipoca doce e salgada, quebra queixo, geleia colorida, paçoca e o delicioso algodão doce.

Depois da escola era hora de fazer logo a lição de casa, para depois poder brincar na rua até não querer mais, ou então até que nossa mãe nos chamasse para tomar banho e jantar. Era quando a gente ouvia ela gritar:

– Já pra dentro moleque! Tá na hora de tomar banho! Ou então:

– Entra logo, que seu pai já está chegando pro jantar! 

Em qualquer hipótese, a gente respondia:

– Pera aí mãe, deixa eu ficar só mais um pouquinho! 

Colecionávamos figurinhas, empinávamos pipa, andávamos de carrinho de rolimã, construídos em casa mesmo, com rolimãs, ganhas do mecânico bonzinho, cuja oficina ficava pertinho, as vezes na mesma rua da nossa casa.  

As meninas brincavam de casinha com suas bonecas de pano ou de plástico duro, que não emitiam som nenhum, não tinham pilha, nem tampouco faziam cocô ou xixi e nem usavam fraldas. Os diálogos e sons das bonecas tinham que vir na própria imaginação das meninas e a criatividade falava alto.

Ninguém perdia tempo com o celular ou com o computador. Nossa maior aventura era sair pelas ruas, apertando as campainhas das casas e fugindo dos ‘Tios’ furiosos, que saiam correndo atrás de nós. Nessa época, o curioso era ver que os tais ‘Tios’, embora mal tivessem completado seus 50 anos, já se sentiam e agiam como velhos. 

Que diferença desta nossa geração de ‘gerontolescentes’ que hoje, têm a certeza de que a vida só está começando, aos 60 anos…

A rua era o nosso parque de diversão, seja para jogar bola, peteca, queimada, amarelinha, pega-pega, esconde-esconde, andar de bicicleta, pular corda (amarrada no poste) ou então quando vinha aquela chuva forte, poder tomar aquele gostoso banho na chuva, sentindo no ar o cheiro de terra molhada. Depois era só escorregar pelas enxurradas, que desciam fortes pelo meio fio da sarjeta, rumo às partes baixas da cidade onde corriam os rios….

Todo mundo brincava junto e nem sequer se imaginava ter diferenças de posição social, de cor, de gênero ou qualquer outra dessas coisas, que hoje só servem para dividir o mundo em grupos, compartimentos e castas de todo e qualquer tipo. 

Nessa nossa época, tudo era só alegria e a única dor que tínhamos era aquela provenientes das raspadas no joelho ou das topadas com o dedão do pé. 

Existia uma coisa importante que hoje parece que até retiraram do dicionário:  “Respeito” 

Havia respeito com tudo e com todos. Desde os pais, professores, pessoas idosas, fosse rico ou pobre. Não havia distinção de condição social ou econômica, todos eram iguais. 

Beijar a mão e pedir a benção dos avós era absolutamente normal e comum, sempre tratado como um lindo gesto de educação e respeito. Me lembro de fazer isso até o dia em que meus avós se foram. E pensar que eu já era bem grandinho quando isso aconteceu….

Nossos pais eram rígidos na educação e qualquer ‘saída da linha’ era logo reprimida com um bom sermão e dependendo do grau, complementada com boas palmadas ou até cintadas na traseira. 

E nunca ninguém se sentiu deprimido ou tendo que consultar um psiquiatra por isso. 

Um simples olhar do pai ou da mãe já dizia tudo e caso eles não pudessem resolver aquele nosso desaforo ou falta de educação, na hora, nos diziam a célebre frase: 

– Em casa a gente conversa!

Eram outros tempos, esses tempos do Curso Primário! Que saudades! 

Tempos em que, pequenos gestos de respeito, de educação deixavam o mundo melhor.

Tempos em que, se sabia educar, semeando com sabedoria, para colher com paciência.

Tempos em que, nos ensinavam a ser felizes e a não nos preocuparmos com a riqueza. 

Tempos em que, nos faziam entender que o melhor valor das coisas não está no seu preço.

Tempos em que, nos ensinaram que educação não transforma o mundo, mas apenas muda as pessoas e são essas pessoas que irão transformar o mundo! 

Hoje, lembrando tudo isso do meu Curso Primário tenho muitas saudades.

Vejo que temos que repensar o que estamos fazendo com nossos filhos, a começar pela consciência de que:

– Não devemos nos preocupar em deixar um planeta melhor para os nossos filhos, mas filhos melhores para o nosso Planeta! 

Nesses tempos em que muita coisa antiga está voltando a moda, estou agora com uma enorme esperança, de que tragam de volta aquele nosso Curso Primário!

Aquele da simplicidade e humildade dos alunos.

Aquele do valor maior à inteligência emocional.

Aquele em que educação é considerada um trabalho conjunto entre a escola e os pais.

Aquele do amor e respeito à pátria, ao hino nacional e a bandeira. 

Aquele do respeito aos pais, aos idosos, aos professores e educadores.

Aquele do valor maior ao amor e a cordialidade entre as pessoas.

E principalmente tragam de volta aquele nosso ‘Curso Primário’ em que aprendemos principalmente que: 

“Educar não é cortar asas, mas sim orientar o voo! ”

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thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

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