Ikigai – Razão de Viver – Por Dr José Luiz Ricchetti

Ikigai – Razão de Viver – Por Dr José Luiz Ricchetti

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happy asian senior couple hiking on the mountain

Recentemente dois espanhóis escreveram um livro, baseado na vivência que tiveram com os moradores da aldeia de Ogimi, em Okinawa, Japão, que apresentam o maior índice de longevidade do mundo. O livro aborda os segredos que os habitantes dessa aldeia têm para ter uma vida longa, saudável e feliz.

Isso me fez lembrar da minha primeira viagem ao Japão, em meados dos anos 90, quando tive a oportunidade de conhecer, quase que por acaso, essa aldeia de Ogimi onde, aprendi, muitos desses segredos desses idosos japoneses.

Eu tinha ido a negócios e tive reuniões com várias empresas. Numa delas acabei tendo contato com uma jovem executiva de nome Mahina Hiroki. Ela era uma moça muito bonita, simpática e extremamente competente e apesar do nosso curto período de convivência, nos tornamos grandes amigos.

Caçula de uma família grande, Mahina tinha mais cinco irmãos e fiquei muito surpreso quando, um dia, ela me revelou a idade dos seus pais, a mãe tinha acabado de completar 100 anos e o pai já estava com 103 anos.

Certa vez Mahina disse que pretendia visitar seus pais, que moravam nesse povoado de Ogimi, na pequena ilha chamada Okinawa, situada bem afastada do principal arquipélago japonês e me perguntou se eu não queria acompanha-la.

Eu já tinha ouvido falar desse povoado, onde os habitantes costumavam viver muito tempo, normalmente acima dos cem anos e aquele convite aguçou ainda mais a minha curiosidade. Assim não pensei duas vezes e aceitei viajar para lá com ela.

Numa sexta-feira pela manhã, pegamos um voo da Japan Airlines, no aeroporto de Haneda, não muito longe do centro de Tokio e depois de 2:50 h de voo estávamos aterrissando em Okinawa.

Mais um tempo depois e chegamos ao povoado de Ogimi, onde fomos recebidos com extremo carinho pela sua mãe Naomi e seu pai Hiroshi, ambos extremamente ativos e que exalavam bondade, simpatia e gentileza.

A casa dos Hiroki, apesar de pequena e simples, era bonita e confortável. Tinha o estilo típico japonês, com aquela simplicidade natural e uma fluidez obtida através dos seus painéis deslizantes, que funcionavam tanto como porta divisória ou parede, sempre emoldurados em madeira e cobertos com uma camada de papel ou tecido.

Logo após as apresentações, Mahina foi me mostrar o quarto onde iríamos dormir, já que a casa tinha somente dois dormitórios. A cama era aquele tipo japonês baixa, quase junto ao chão e com móveis bem simples em madeira e bambu.

Em seguida abriu um daqueles painéis deslizantes e me mostrou uma saleta com um típico ‘ofurô’ cheio já com água quente, pois eu podia ver a fumaça saindo da sua superfície. Antes que eu perguntasse qualquer coisa ela já foi retirando a roupa e entrando na água, pedindo que eu fizesse o mesmo.

Não foi fácil aderir àquele costume, e fingindo uma naturalidade, aceitei como normal aquele banho a dois, como se já fosse simples e comum para mim.

Assim que terminamos o banho, ela me entregou, um discreto quimono azul claro, para que eu o vestisse. Em seguida se vestiu também com um lindo quimono branco, todo decorado com lindas flores de cerejeira e informou que participaríamos, com seus pais, do ‘Chanoyu’, uma cerimônia japonesa, onde se serve um chá.

Eu já tinha lido um pouco sobre o Chanoyu e sabia que era um rito e não simplesmente um simples ato de tomar chá. Era um cerimonial, uma verdadeira filosofia de vida, que envolvia concentração, gestos e movimentos, para que se pudesse atingir o objetivo de trazer a paz de espírito a todos os seus participantes.

Podia se dizer, guardadas as proporções, que o Chanoyu era espécie de evangelho no lar ou o terço em família. Em suma, era um ritual completo regido por quatro princípios básicos denominados: “Wa Ke Sei Jaku”, onde:

Wa é a Harmonia, que significa ter uma atitude de humildade para com os convidados.

Kei é o Respeito, que significa a capacidade de compreender e aceitar os outros, mesmo que possa haver divergências de opinião.

Sei é a Pureza, que significa estar com o coração puro e aberto para sentir a harmonia e a paz.

Jaku é a Tranquilidade, que é um dos objetivos a se alcançar com a prática daquela cerimônia.

O principal objetivo é que durante o Chanoyu todos os presentes tenham um nível de desprendimento elevado, para que se consiga colocar em prática os ideais de harmonia, respeito e pureza e assim se atingir a tranquilidade.

Naquela noite, me sentei em volta da pequena mesa para participar com Mahina e seus pais de todo aquele lindo cerimonial. Foi uma experiência ímpar e uma sensação de muito respeito e acolhimento daquela família, que afinal pouco me conhecia.

Terminado o Chanoyu, creio que todos nós conseguimos atingir o objetivo, pois continuamos, por um bom tempo, em silêncio, meditando e usufruindo daquela tranquilidade, ou seja, tínhamos atingido o objetivo final chamado de ‘Jaku’.

Até que, depois de um tempo, o silêncio foi quebrado, com os agradecimentos, proferidos pelo Sr. Hiroshi. Agradeci também a todos pela acolhida e pelas admiráveis informações recebidas, sempre com a tradução da Mahina, é claro, já que eu não falava nada de japonês, além do básico do básico.

Em seguida, muito curioso, aproveitei e fiz a pergunta, que sempre quis fazer, desde que tinha lido sobre a aldeia de Ogimi, e que aliás, era o que tinha me motivado a viajar até aquela ilha distante:

– Sr. Hiroshi, qual é a fórmula para que a maioria das pessoas desta aldeia viva tanto tempo?

– Meu filho, depois do chá podemos dizer que estamos todos em perfeita harmonia, respeito, pureza e num ambiente de tranquilidade para poder lhe responder.

Realmente acredito que existam algumas razões para que nós, aqui de Ogimi, tenhamos uma vida longeva.

A primeira delas é talvez porque sempre procuramos nos manter ativos. Todos aqui se dedicam a fazer algo que possa ter valor para a sua vida e para a vida dos demais. É preciso fazer algo de útil, neste mundo, até o dia da nossa passagem. Não viemos aqui a passeio. Todos nós temos uma missão.

Segundo, o estresse e a pressa são nossos principais inimigos na qualidade de vida, portanto é fundamental mantermos o nosso espírito em calma e tranquilidade.

Aqui todos nós comemos pouco e de modo saudável, remendou a Sra. Naomi. O nosso cérebro demora pelo menos vinte minutos para receber a informação que já comemos o necessário. Então para que comer até ficar 100% satisfeito? Temos que deixar um pouco de ar no estomago….

A vida também não tem qualquer sentido sem amigos. Amigos ajudam a esquecer as preocupações e nos emprestam o ombro nos momentos difíceis. Quem vai ouvir nossas histórias? Quem vai nos fazer sorrir? A quem podemos pedir conselhos e compartilhar sonhos? São os amigos que nos ajudam a viver!

A natureza também é fundamental. Todos nós fomos feitos para nos fundirmos com a natureza e precisamos estar sempre em contato com ela, para que possamos recarregar as baterias, seja no rio, no mar, no parque ou na floresta.

Ah e nunca nos esquecemos de sorrir! Todas as manhãs, temos que olhar no espelho e sorrir. O sorriso, é poderoso e mantê-lo nos lábios só nos ajuda a ter bons relacionamentos e a encarar a vida de forma sempre feliz.

Existe uma expressão japonesa chamada ‘Maemuki ‘que significa olhar para frente, ser positivo em relação a tudo que acontece a nossa volta. Isso também é fundamental, temos que celebrar cada minuto da vida de forma positiva.

O exercício físico também é importante para mantermos a nossa saúde e nos ajuda a produzir hormônios que trazem a sensação de bem-estar e felicidade.

Somos gratos sempre. Reservamos um momento do dia para agradecer as bênçãos que recebemos e procuramos fazer o bem a todos aqueles que precisam. Nada deste mundo é nosso, é apenas emprestado. Então porque não emprestar ao outro também aquilo que recebemos?

Tem um provérbio Japonês que diz: “Ashita wa ashita, kyo wa kyou”, ou seja, “Amanhã é amanhã, hoje é hoje”. Temos todos que viver o hoje. O ontem serve como experiência e não para ser rememorado a todo momento e o futuro nem sabemos se iremos tê-lo amanhã. Portanto temos que viver o momento presente com intensidade e prazer.

Então, o Sr. Hiroshi, pigarreou e continuou:

– Resumindo meu jovem, o que a grande maioria dos habitantes da nossa comunidade faz, é seguir o seu Ikigai!

Então bastante sem graça, respondi:

– Desculpe Sr. Hiroshi, mas o que é Ikigai?

– Ikigai é simplesmente a razão de viver! Todos nós temos que ter uma razão para levantar todas as manhãs e ser feliz. Não podemos viver por viver como se tivéssemos vindo a este mundo a passeio.

Aquela noite foi difícil dormir. A cerimônia do Chá, aquelas palavras e as lições de vida aprendidas ali com aquela família simples da pequena Ogimi, ficaram martelando na minha cabeça.

O final de semana passou rápido, mas ainda tive oportunidade de ter mais algumas boas conversas com o Sr. Hiroshi.

Até hoje acredito que foi uma das maiores lições e inspirações que recebi para a minha vida pessoal e profissional. Com certeza muito do que consegui na vida vieram através das lições aprendidas no povoado de Ogimi, na pequena ilha de Okinawa.

Ali aprendi a dar sentido a minha vida, aprendi que não importa a tristeza, pois para se contrapor a ela logo vem a alegria, não interessa se choramos, porque logo em seguida poderemos sorrir também.

Seja qual o grande esforço que tenhamos que fazer, teremos a certeza de que através dele virão as recompensas.

Enfim nada pode nos segurar quando temos sempre vivo na mente o nosso Ikigai, ou seja, uma verdadeira razão de viver!

Namastê

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thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

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