A luz do candeeiro – Por José Luiz Ricchetti

A luz do candeeiro – Por José Luiz Ricchetti

cabeca-ricchetti A luz do candeeiro - Por José Luiz Ricchetti
95156359-9170-4228-A00A-53273F34D1D7-1024x683 A luz do candeeiro - Por José Luiz Ricchetti

Tive a felicidade de viajar pelo mundo, quando isso não era nada comum. Nessa época dos anos 80/90, viajar a trabalho era um privilégio de poucos, mas sem as grandes facilidades de hoje, principalmente com voos e hospedagens.

Hoje viajar a trabalho ou a turismo é bem mais fácil e tranquilo, pelo menos era, até aparecer esta terrível pandemia do Covid-19.

Numa dessas viagens, no início dos anos noventa, eu tive a oportunidade de ira para a Tailândia e conhecer este fantástico país, com uma população de mais de 65 milhões e cultura milenar, com usos e costumes completamente diferentes do mundo ocidental e onde mais de 80% seguem a religião budista.

A primeira coisa que percebi de diferente assim que desembarquei na sua capital, Bangkok, foi o perfume daquela cidade, com sua enorme mistura de fragrâncias.

Eu podia sentir, antes mesmo de ver ou ouvir qualquer coisa, um aroma misterioso e doce, como que misturando ao mesmo tempo, num só perfume, as fragrâncias das suas tradições, da sua cultura milenar, dos templos budistas, dos antigos bazares, dos restaurantes, das especiarias, dos incensos, das flores e do seu povo.

Eu havia contratado uma guia, para poder me acompanhar como interprete nos meus compromissos de trabalho e ao mesmo tempo, nos finais de semana, poder me levar a visitar os principais pontos turísticos daquele país misterioso e daquela cidade incrível, com sua arquitetura exótica.

Uma das coisas que eu pretendia visitar eram os templos budistas, pelo ar de mistério e misticismo que envolvem e também para conhecer um pouco mais da espiritualidade milenar do povo tailandês.

Bangkok possui mais de 400 templos que vão desde grandes estruturas até altares bem simples, mas foi o Templo do Buda Esmeralda no ‘Grand Palace’ chamado ‘Wat Pra Kaew ’, o que mais me impressionou, não só pela sua grandeza e beleza, mas principalmente pelo peculiar aprendizado que acabei vivenciando.

Eu estava lá admirando a pequena e famosa estátua de Buda, toda feita em jade, e a linda capela dourada, quando percebi, do meu lado direito, um senhor, bem idoso, ladeado por um monge budista, com seu traje tradicional de cor laranja.

Percebi que ele tinha vários candeeiros depositados à sua frente e à medida que acendia cada um deles, ele o entregava ao monge, que então subia os degraus do altar o depositava na frente da imagem.

Acredito que ele era bastante idoso e não era só a sua aparência que me dizia isso, mas também o modo cuidadoso e vagaroso, com que manuseava os candeeiros, os acendia e os entregava, com bastante dificuldade, na mão do sacerdote que então os colocava no altar, todo feito de madeira escura de cedro, onde ficava a estátua do Buda de jade.

Fiz minhas orações, acendi meus incensos, pedi pelos meus desejos, e depois de dar uma última olhada no entorno daquele templo maravilhosos, saí e fui me sentar num dos bancos do jardim do templo, para usufruir um pouco mais daquele momento de paz e tranquilidade.

Passados, acredito que 30 minutos ou mais, um senhor me pediu licença e se sentou ao meu lado, talvez para aproveitar a mesma vista maravilhosa daquele jardim, no alto da colina.

Quando olhei para ele, sentado ali no mesmo banco, percebi que era o mesmo ancião que estava acendendo e depositando os candeeiros no altar do templo.

Curioso e respeitosamente eu o indaguei sobre o significado daquele seu ritual com os vários candeeiros.

Ele pausadamente escutou minha pergunta, se virou vagarosamente e olhando fixamente nos meus olhos, com um ar de certa surpresa, mas com convicção, disse:

– Meu filho, a luz do candeeiro representa a fé que temos no ser superior e também o caminho da nossa iluminação interior, através da caridade.

– Tenho notado que em todos os templos que vou, existem sempre candeeiros acesos e imagino que seja uma grande simbologia do budismo, não é? Argumentei.

Ele então, pacientemente, mais uma vez se voltou para mim e disse:

– Meu filho, vou lhe contar uma pequena história, para que entenda o enorme significado da luz do candeeiro:

“Era lá pelos idos de 1920 e eu devia ter uns 15 anos aproximadamente e meu pai era um grande e rico comerciante local.

Nessa época ocorria a famosa gripe espanhola, a pandemia que matou milhões de pessoas, no mundo todo. A fome e o desemprego se abatiam sobre milhares de famílias.

Então meu pai, que sempre foi uma pessoa caridosa, resolveu fazer alguma coisa, para ajudar os habitantes da sua vila, que passavam grandes dificuldades.

Ele então se reuniu com vários de seus amigos, também comerciantes abastados e propôs a todos que o ajudassem, na doação de alimentos para os mais pobres. Prontamente todos concordaram e aderiram à ideia.

Para que tivessem um local onde pudessem depositar os alimentos, meu pai ofereceu um velho galpão vazio, nos fundos da nossa casa e propôs que todos se reunissem lá nos domingos à noite, com suas famílias, para unirem dois objetivos comuns, fazer um jantar de confraternização entre as famílias e levar os alimentos que seriam doados.

No primeiro domingo, eu me lembro como se fosse hoje, que a grande maioria deles estava lá, com suas mulheres e filhos, para a primeira reunião e com os mantimentos necessários para a ação de caridade.

Papai havia pintado e arrumado o local e apesar de ter ficado bonito, eu me lembro que não havia iluminação. Só era possível ver o local todo pintado, as mesas e cadeiras, todas individualizadas com a identificação de cada família, porém não tinha nenhum ponto de luz.

Então admirado, eu lhe perguntei:

– Papai ficou bonito isto aqui, mas está bem escuro. Você não vai iluminar?

Meu pai então apontou, para cada os suportes, acima das mesas, e me explicou:

– Está vendo aqueles suportes, em cima de cada uma das mesas? Pois bem, vou dar, aos meus amigos um candeeiro e toda vez que vierem aqui, eles deverão trazê-los para iluminar a mesa deles.

– Por que? Não seria mais fácil você instalar a luz? Eu perguntei…

Então meu pai me respondeu:

– Cada vez que um dos meus amigos vier aqui, a sua mesa estará bem iluminada com o candeeiro e quando um deles faltar, o seu ponto, exatamente acima da sua mesa, estará totalmente escuro.

– Não entendi! Para que isso? Interpelei novamente meu pai.

Meu pai então esclareceu:

– As mesas com os pontos sem luz é para lembrar, a todos os demais, que toda vez que um deles se ausentar da reunião, estará deixando de fazer alguma coisa pelos mais necessitados e assim, uma parte da sua alma ficará escura…”

Sem dizer mais nada o velho senhor se levantou e foi caminhando vagarosamente pela pequena alameda, apoiado em sua bengala, tomando o caminho da saída do templo, me deixando ali totalmente só com meus pensamentos.

Com certeza, penso hoje, ele com aquela sua sabedoria, tinha a certeza de que a pequena história contada iria mexer comigo e me fazer refletir.

Eu me lembro que assim que ele se foi, instintivamente me levantei, entrei rapidamente no templo, peguei um daqueles candeeiros, depositados na lateral do templo, o acendi, e de joelhos o depositei no altar, fazendo uma pequena reverência com a cabeça, em sinal de fé e agradecimento pelo que tinha à pouco me acontecido…

Logo a paz, o silêncio e a tranquilidade daquele espaço, somados a sensibilidade daquela pequena história, transmitida pelo sábio senhor, me fizeram refletir sobre a minha vida, até aquele momento.

Comecei então a perceber o quanto eu vinha sendo egoísta, preocupado só com bens materiais, sem se preocupar com a caridade e com as pessoas que passam por dificuldades.

Percebi que era um privilegiado e que deveria agradecer, todos os dias, por tudo o que tinha conquistado e que uma maneira de fazer isso era ajudando a quem não tinha tido as mesmas oportunidades.

De repente, ouvi um pequeno pigarro, e olhando na direção do som, vi que o mesmo monge, que ajudava o velho senhor a depositar os candeeiros, estava ali ao meu lado e olhava fixamente para mim.

Então, com aqueles seus olhos miudinhos, de cor quase cinza, porém espelhando enorme sapiência, como se estivesse lendo meus pensamentos, me disse:

– Filho, não se preocupe com seu passado, é melhor descobrir um erro em você mesmo, do que dezenas de erros nos outros, pois o seu defeito você mesmo tem como consertar.

Ali, naquele momento mágico, eu pude perceber que a nossa felicidade não nasce sozinha, ela está sempre ligada às nossas melhores ações.

Naquele dia, eu descobri, que para ter a chave da felicidade, seria necessário eu manter a luz do meu candeeiro, sempre acesa.

Share this content:

thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

Os comentários estão fechados.

Proudly powered by WordPress | Theme: Content by SpiceThemes

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
error: Reprodução parcial ou completa proibida. Auxilie o jornalismo profissional, compartilhe nosso link!