Ao mestre com carinho, por José Luiz Ricchetti

Ao mestre com carinho, por José Luiz Ricchetti

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Era mais um dia de aula de educação física e de treino da seleção de basquete do Instituto de Educação Dr. Manuel José Chaves, em São Manuel, em algum dia, em meados dos anos 60.

Apesar, do sol forte do início da tarde, estávamos todos lá, com nossos calções azuis de algodão e camisetas regatas brancas, para mais uma aula e mais um treino, ali naquela quadra aberta, na lateral do lindo prédio do Instituto de Educação, onde a maioria de nós, jovens são-manuelenses estudávamos.

Nossas aulas e treinos, nessa época do colegial, eram sempre muito ativas e prazerosas, porque tínhamos um mestre que além de entender do riscado, adorava a sua profissão, adorava ensinar. Ele era daquelas pessoas que sempre nos inspiravam a aprender e também a buscarmos novos ensinamentos, por si mesmo.

Estávamos numa tarde iluminada, daqueles dias de outono e lá estava ele, mais uma vez, ali na nossa frente, com sua indumentária característica, calça e cinto social, molho de chaves pendurado na cintura e seu indefectível tênis branco da marca ‘Rainha’. Para completar o seu tradicional figurino, como não podia deixar de ser, debaixo do seu braço, a tradicional bola de basquete, de couro, na sua cor marrom, característica na época.

Ele mal chegou e já puxou do bolso da camisa, o seu inseparável e sempre amassado maço de cigarros ‘Lincoln’ e ao invés de pegar e acender um, ele simplesmente rasgou o maço, e já gritando pelos nossos sobrenomes, foi fazendo a chamada e marcando um a um, dos presentes.

Normalmente ele usava, para fazer a chamada, uma caneta tinteiro ‘Parker 51’ e usava aquela parte branca, por de trás do papel de alumínio, que normalmente envolvia o interior dos maços de cigarros, para anotar nossos nomes.

Até hoje, tenho na memória, a sua figura simpática, com sua voz grave, nos chamando um a um, pelo sobrenome: Silva, Braga, Franco, Pegoraro, Carrer, Del Bianco, Rossetto, Chavasco, Consorte, Fittipaldi, etc..

Ahh…quantas não foram as vezes, em que isso aconteceu, simplesmente porque, sua marca registrada era esquecer a tradicional ‘caderneta de chamada’, dentro do seu garboso carro, um ‘Simca Chambord’, ícone dos automóveis nos anos 60, e que todos nós invejávamos, um dia, termos um igual.

Se alguém, começasse a ler esta crônica, pelo parágrafo aí de cima, poderia fazer mal juízo deste nosso professor, achando que ele era um relapso, sem saber, que foi um dos mais dedicados, dos mais abnegados, dos mais responsáveis e dos mais queridos mestres, que com certeza passou pelo Instituto de Educação de São Manuel e que foi responsável por formar várias gerações de esportistas, que levaram para toda a vida o seu grande apreço e amor pelo esporte.

Foi com ele que aprendi, em repetidas vezes, treinando fora do horário de aula, os fundamentos do basquete, do vôlei, do atletismo, e principalmente a importância da dedicação, da honestidade e do respeito aos colegas e adversários.

Ainda o vejo, pegando em nossos braços, um a um, para nos fazer entender o perfeito movimento do arremesso, começando com a posição do polegar e depois das mãos ao envolver a bola; dos movimentos coordenados do ‘jump’; de como dar os passos de uma ‘bandeja’; de como penetrar o ‘garrafão’, como arremessar de ‘gancho’; de como utilizar a tabela; de como usar o efeito com as mãos, para encestar quando se está bem embaixo da cesta; e por aí vai…..

Todos esses ensinamentos ele nos fazia repetir à exaustão sem deixar de nos demonstrar como fazê-lo corretamente, entrando na quadra e fazendo os movimentos corretos, mesmo com o incômodo balançar daquele infalível molho de chaves na cintura.

Não há como não lembrar dos inúmeros jogos que fizemos com o ‘Dream Team Caipira”, apelido que, muitos anos mais tarde, numa outra crônica, batizei esse nosso épico time de basquete, viajando pelo interior de São Paulo, defendendo as cores do nosso Instituto de Educação, por pura e nobre iniciativa deste nosso querido e dedicado mestre.

Viagens que ele, junto com dois outros baluartes da nossa educação, Chiquinho Rebuá e João Lima, bancavam do próprio bolso, para que pudéssemos nos apresentar nas várias cidades, da redondeza, como Botucatu, Barra Bonita, Bauru, Avaré, Lençóis Paulista, Ourinhos, Leme, Jaú, e tantas e tantas outras cidades, cuja lista seria enorme se fosse aqui decliná-las todas.

Como esquecer, quando, identificando minhas habilidades natas de velocista, corredor de 100 metros rasos e de salto em extensão, passou a me treinar, fora dos horários de aulas, nos finais de tarde, na pista de atletismo, do Estádio Municipal Dr. Ademar de Barros, ali no final da rua XV de Novembro.

Eram nessas tardes de treinos extra aulas de atletismo que eu sempre ouvia dele: “Só depende de você, leve a sério suas qualidades de atleta e você ainda irá representar o nome de São Paulo e do Brasil”

Foram esses seus ensinamentos de muitos treinos e dedicação, que me levaram à final do Campeonato Colegial de Esportes, em 4 de setembro de 1967 no Estádio do Pacaembu, como único representante da região a conquistar esse direito, por índice, uma vez que por equipe, o nosso time de atletismo do Instituto não havia sido classificado.

Até hoje guardo, com carinho a sua dedicatória, no verso da foto, daquele memorável dia, em que representei a região da Alta Sorocabana, na final dos 100 metros no Campeonato Colegial, reproduzida aqui na foto que ilustra a crônica.

Foi essa sua dedicatória, que sempre me incentivou a continuar como atleta e amante dos esportes. Pena que uma lesão no meu joelho, acabou por me tirar das pistas e encerrar muito cedo minha carreira de velocista.

Pois é, a vida é assim, só depois, de vermos passar os anos, com a experiência e os nossos cabelos brancos é que conseguimos reconhecer e dar o real valor àqueles mestres que nos ensinaram de verdade.

É com o tempo que passamos a entender que bons professores ensinam, mas só os grandes mestres são os que nos preparam para buscar algo mais e com isso conseguirmos mais conquistas.

Os caminhos que segui na minha vida pessoal e na minha profissão, com certeza, tiveram sempre os traços dos seus ensinamentos, dos seus incentivos, para manter a persistência, o esforço, a gana de vencer, sem nunca deixar de respeitar os adversários e os colegas.

São lições como essas que nunca me esqueci e que ficaram fortemente gravadas na minha alma, como grandes ensinamentos.

Professores assim é que nos impregnam de sentidos para que possamos, mais tarde, fazer o que temos que fazer, a cada novo instante, com determinação e força. São eles que nos inspiram esperança, inflamam a imaginação e ativam o nosso amor pelo aprender, seja qual for a profissão que tenhamos abraçado.

Alguém já disse que professores brilhantes nos ensinam para uma profissão e que os professores fascinantes nos ensinam para a vida.

Este grande mestre foi com certeza um daqueles que me ensinou para a vida e para me tornar um teimoso interpretador de sonhos, procurando transformar cada um deles em realidade.

Se pudesse encontrá-lo hoje, eu lhe diria que ele foi um dos responsáveis por manter gravado no meu coração, muitos dos seus próprios vestígios de amor, de dedicação, de responsabilidade e de respeito pelo ser humano.

Foi ele, com certeza, um daqueles que despertou em mim a vontade de competir, de buscar mais sonhos e de manter tudo isso aceso dentro do meu baú de tesouros mais preciosos, no cantinho do coração, onde se guarda a formação do caráter.

E quem era ele?

O nosso grande mestre, homenageado aqui, através desta minha crônica, com muito carinho era e é o Professor Newton Frossard, porque ninguém que é do bem, desaparece, simplesmente atravessa para a outra dimensão e nos deixa suas pegadas, seus bons exemplos, suas lições e seus bons frutos.

E se pudesse agora, neste exato momento, interconectar nossas diferentes dimensões e lhe dizer algo pessoalmente, eu o faria com os versos de Cora Coralina:

“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

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thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

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