José Luiz Ricchetti: O velho relógio do paço

José Luiz Ricchetti: O velho relógio do paço

Abri meu “Facebook” e vi, com grande emoção, a fantástica notícia do restauro do relógio do Paço Municipal da minha cidade natal São Manuel.

Tinha recebido o “input” através de um desafio, para escrever algumas frases, em homenagem a este acontecimento, feito pelo meu querido amigo de infância Arnaldo Catalan, hoje Secretário da Cultura.

Arnaldo, músico de talento, agora estava cuidando da nossa cultura. Arnaldo, que junto com outro amigo de infância Beto Saglietti, hoje também Secretário da Educação, são hoje a dupla do barulho, os “meninos” que me dão muito orgulho, e que estão revolucionando a nossa cidade, emprestando aquele bem maior, o tempo, para se dedicarem à ela e a trazerem de volta para ser novamente digna do seu lema “Ad Maiora Quotidie” (Cada Vez Maior).

Queria muito rever a minha terra natal, São Manuel, mas precisava, antes de mais nada me reencontrar com ela, mesmo que por absoluta falta de tempo, mesmo que fosse uma visita à distância.

Assim abri o Google e procurei pela TV São Manuel, do dedicado Dela Mônica, para rever alguns dados do Paço Municipal, ao mesmo tempo que busquei mais notícias nas reportagens históricas do primeiro jornal de São Manuel “O Movimento”, fundado por um dos ramos da nossa família os Ricchetti. Lá estavam muitos dados históricos importantes:

“Paço municipal prédio suntuoso, inspirado, no projeto do edifício da Prefeitura de Melbourne na Austrália, do qual seria uma réplica em menor escala, foi projetado e construído pela empresa do renomado Arquiteto Dácio Aguiar de Moraes.

Aguiar, nascido em Tietê, formado em Stuttgart na Alemanha e radicado em Botucatu idealizou e construiu uma obra à altura do progresso e da pujança de São Manuel no início do século.

Aguiar é também o mesmo profissional competente que projetou as Catedrais do Santuário de Santa Terezinha e da Catedral de Santa Ana em Botucatu.

Além da sua arquitetura maravilhosa, no topo da torre, foi projetado a colocação de um relógio municipal com quatro quadrantes de vidro cor de leite, translúcido, de um metro de diâmetro, lâmpadas elétricas internas, dois sinos para horas e quartos e remontador elétrico automático” – Jornal O Movimento, 15 de agosto de 1909.

Eu precisava rever tudo isso in loco, mas naquele momento meus compromissos me impediam. Então ali como que numa verdadeira incorporação mediúnica misturado com minha memória afetiva, me vi sentado em minha moto Harley Davison, tendo ao meu lado Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson na célebre cena do filme Easy Rider (Sem Destino), viajando rumo a nossa New Orleans….

Saímos de São Paulo e depois de quase três horas de uma viagem tranquila, entramos pela cidade, demos uma volta geral pelas velhas e conhecidas ruas, para ver como tudo estava e matar a imensa saudade.

Passamos em frente as casas em que morei, na Epitácio Pessoa e Batista Martins, no Grupo Escolar, no Instituto de Educação, vimos de perto o Tênis Clube, a sede social do Clube Recreativo, a Igreja Matriz e aí paramos em frente ao prédio do antigo bar colonial, aquele antigo bar das memoráveis pizzas e furtivos drinks escondidos no reservado, na adolescência, antes dos nossos bailes.

Estacionamos as nossas motos com seus guidões estendidos e aí pedindo licença aos meus companheiros de Easy Rider, desci para poder rever o jardim e o coreto, em que ainda criança de colo, já frequentava com meus pais.

Fui caminhando por uma das suas alamedas até chegar ao coreto e poder me sentar num dos seus antigos bancos laterais de granilite com os seus “reclames” de antigas empresas de São Manuel.

Talvez, os conterrâneos que sempre moraram na cidade ou mesmo aqueles que tenham morado fora, por um tempo e depois voltado, não façam ideia do que é, depois de muitos anos, rever a sua cidade natal.

É como se um filme passasse pela sua cabeça e você começa a se lembrar de tudo, ao mesmo tempo. É a sua rua, as peladas com bola de capotão, os passeios de bicicleta, as bolinhas de gude, as pipas, as brincadeiras na piscina do tênis, as serenatas, os bailes, o fantástico carnaval, os jogos pela seleção do colégio, os professores mais queridos, os desfiles, a fanfarra, o tiro de guerra, a missa das 10 na Matriz, as sessões do cinema novo, de terno e gravata, as primeiras namoradas, os amigos inseparáveis da infância…..

Tudo vem como um turbilhão de emoções dessa época de anos dourados, em que podíamos criar e recriar tudo, sempre do nosso jeito, da nossa maneira. Época em que podíamos sorrir, brincar, dançar, se vestir diferente, com nossos cabelos longos, ouvir os Beatles, viver à nossa maneira com todas as cores, pés descalços, nossa infância, adolescência, muitos sabores e nossos primeiros amores.

Estava ali, curtindo tudo isso, quando olho por entre as árvores e vejo o majestoso Paço Municipal e no alto o seu histórico relógio. Caramba! Lá estava ele, aquele lindo relógio de quatro lados, que controlou todo esse nosso tempo.

Ele que com o seu tempo nos marcou e marca tudo como se fosse apenas a duração de um segundo que num instante passa!

Quando dou por mim, estou ali, sem perceber, declamando um poema de Dyke:

“O tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo, muito longo para os que lamentam, muito curto para os que festejam, mas, para os que amam, o tempo é eterno….”

Volto a olhar o relógio, o nosso relógio, um pouco judiado é verdade, mas ainda majestoso e altivo do alto dos seus mais de 100 anos, marcado pela placa, no alto da torre, com o ano da sua fundação, 1908.

Rever ali aquele prédio e o seu velho relógio, me traz também da memória a época em que podíamos gastar o nosso mesmo tempo ali sentados nas suas grades de ferro para ouvir os últimos sucessos em vinil que o Mauro de Oliveira tocava na vitrola da Casa Ricchetti ou então ler um bom livro na  Biblioteca, que ficava na parte de baixo.

Mesma biblioteca onde fiz meu primeiro contato com os versos de Mario Quintana que em um poema chamado exatamente “O Tempo”, nos diz assim:

“A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos! “

Olhei de novo para o velho relógio do Paço e vi que seus ponteiros já marcavam 18 horas e que mais alguns segundos e a cidade voltaria a ouvir as suas lindas badaladas de final de tarde.

Não tinha mais tempo, voltei aos meus amigos do Easy Rider e os vejo tomando sorvete de limão, em frente ao que foi a velha sorveteria do Chiquinho.

Dou um último olhar para o velho relógio do Paço, monto na moto e junto com os companheiros de viagem seguimos mais uma vez, com ou sem destino, não importa!

E assim como um brinde à essa linda viagem no tempo para ver funcionando, de novo, o nosso velho relógio do Paço, termino aqui “pari passu” com o final do poema de Quintana:

“Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio, seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…”

riccheti José Luiz Ricchetti: O velho relógio do paço

SOBRE O AUTOR:
José Luiz Ricchetti, nascido em São Manuel, é oriundo de famílias das mais tradicionais da cidade como Ricchetti, Ricci e Silva, é casado e tem 3 filhos. Engenheiro Mecânico pela Escola de Engenharia Industrial – EEI, com pós-graduação na FGV em Administração de Empresas e Comércio Exterior, tem MBA na área de Gestão de TI e Telecom pelo INATEL-UCAM, tendo atuado por mais de 35 anos, como executivo de grandes empresas brasileiras e multinacionais no Brasil e no Exterior.

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thiagomelego

Jornalista por tempo de serviço, Radialista, Administrador, tecnólogo em Recursos Humanos. Estuda Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

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